Opinião

Como não se deprimir?

09/02/2023 | Tempo de leitura: 3 min

O ano que passou foi um teste rude e cruel para pessoas sensíveis. Como encarar o acúmulo de mortes entre 2020 e 2021, principalmente, que poderiam ter sido evitadas se houvesse adesão à vacina? Como suportar a condição brasileira de "Pária Ambiental", depois de ter sido promissora potência verde, líder do ambientalismo a partir da década de setenta do século passado? Como considerar normal que trinta e três milhões de brasileiros passem fome diariamente, cento e vinte milhões sofram de insegurança alimentar? Fora os milhões sem teto, sem ocupação digna garantidora da subsistência própria e familiar, o caos do saneamento básico, a violência, a polarização que construiu casamatas e blindagens que separam irmãos, amigos e até pais e filhos?

Tudo envolto num fanatismo terrível, pessoas desprovidas de condição de ouvir algo que não fosse terraplanismo, teoria da conspiração, enxergando comunista em cada esquina e acreditando que a vacina teria um chip capaz de entregar nossa mente a um gigante asiático.

Minha opção para fugir à depressão foi continuar a escrever. Sei de outros que se refugiaram na música, nas artes, na leitura, na jardinagem ou na montagem daqueles quebra-cabeças com mais de mil peças. Para mim, escrever sempre foi um oásis de tranquilidade. Ainda que os assuntos a enfrentar possam parecer ácidos, frios, crus. O escritor Graham Greene disse certa vez: "Às vezes cogito como é que todos os que não escrevem, não compõem ou não pintam conseguem escapar da loucura, da melancolia, do pânico inerente à condição humana". Penso também assim. Sem me preocupar com o fato de ser lido. O incrível é que alguns amigos se dispõem a comentar o que escrevo. Fico muito grato a eles. Afinal, dialogar é necessário e alimenta a sensação de pertencimento. Não estamos sozinhos.

Andrew Salomon, no livro "O demônio do meio-dia – uma anatomia da depressão", define depressão como "a imperfeição no amor. Para poder amar, temos que ser capazes de nos desesperarmos ante as perdas, e a depressão é o mecanismo desse desespero. Quando ela chega, destrói o indivíduo e finalmente ofusca sua capacidade de dar ou receber afeição. Ela é a solidão dentro de nós que se torna manifesta e destrói não apenas a conexão com outros, mas também a capaci0dade de estar em paz consigo mesmo".

Todos nós conhecemos alguém deprimido e nem sempre nos damos conta de que também podemos nos deprimir. Isso porque "o amor nos abandona de tempos em tempos, e nós abandonamos o amor". Não se vive sem amor. Em pleno equilíbrio, as pessoas começam por amar a si mesmas – ninguém vai amar um ser que não se ama – depois passam a amar o semelhante, há quem ame o trabalho ou ame – acima de todas as coisas – o Deus, que é o Deus do amor. Mas "a vida é repleta de tristezas, pouco importa o que fazemos, no final todos vamos morrer; cada um de nós está preso à solidão de um corpo independente; o tempo passa, e o que passou nunca voltará. A dor é a nossa primeira experiência de desamparo no mundo, e ela nunca nos deixa".

Mergulho na escrita. Escrevo compulsivamente. Sobre tudo, ou quase tudo. Repito-me. Tenho meus mantras: a ecologia, a ética, a escola. Assim, não tenho tempo de me deprimir ou de pensar em depressão. Qual a sua receita?

José Renato Nalini é diretor-geral de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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