A história recente do país recontada com a agilidade de um jornalista de primeira. Essa poderia ser uma breve definição do livro "Poder camuflado, os militares e a política, do fim da ditadura à aliança com Bolsonaro", de Fábio Victor.
O volume percorre os governos de Collor a Bolsonaro, e analisa as relações entre as Forças Armadas e o Planalto. Desenrola a militarização da política e a politização da caserna.
O autor entrevistou militares e políticos, pesquisou muito e varreu as últimas décadas. Chegou até setembro de 2022, no calor da campanha eleitoral, quando a maior data cívica do país virou palanque político. (No Bicentenário da Independência, o governo federal não preparou nada relevante. Mas o agora ex-presidente quis eternizar o momento, ao puxar o coro de "Imbrochável". Um rodapé para a História, digno da microscópica grandeza de seu protagonista. Mas falemos do livro.)
Não há demonização nem canonização dos fardados. O jornalista quis entender o "espírito" da caserna. Percebeu uma mudança do comportamento militar entre 2015 e 2016. Depois de dois mandatos presidenciais em que o comandante do Exército, general Enzo Peri, não apareceu para falar em público, houve uma guinada. Peri era adepto da tese do "grande mudo", usada pelo Exército da França, segundo a qual militares não falam nem se envolvem em questões político-partidárias. Com Eduardo Villas-Boas, chefe do Exército na gestão Temer, os militares voltam a destacar-se. Villas-Bôas não só fala como ameaça, com o famoso tuíte de 2018, em que pressiona o STF contra a concessão de habeas-corpus a Lula. Há um capítulo inteiro dedicado ao episódio.
O autor debruça-se sobre o caso Bolsonaro. Mostra como o capitão escorraçado transformou-se em símbolo da corporação. Depois de condenado em primeira instância por planejar atentado terrorista em quartéis, Bolsonaro, eleito deputado federal, passou a sindicalista de militares de baixa patente e pensionistas. O parlamentar era proibido por ordem dos comandantes de entrar em quartéis.
Com o tempo, o pária antes proscrito virou porta-voz da alta cúpula militar. Vocalizou desde sempre a versão de que não houve golpe em 1964, nem que o regime foi uma ditadura, com execuções, desaparecimentos, torturas, cassações e censura. Tornou-se palatável para muitos oficiais. E um candidato que reconduzisse os militares para o centro da arena política. Mas com solavancos e muito barulho. Um exemplo: para manter o alinhamento irrestrito do Exército, Bolsonaro trocou por três vezes o comando da força terrestre, algo que não acontecia há mais de 60 anos. Outro: quando o ainda general da ativa Eduardo Pazzuello -- depois da desastrosa passagem como ministro da Saúde durante a pandemia de Covid -- participou de comício com Bolsonaro, ferindo o regimento militar, mas não sendo punido, a onda de indisciplina só fez crescer. Como mostra o batalhão de militares da ativa usuários das redes sociais fazendo proselitismo político.
Pernambucano de Recife, o jornalista Fabio Victor é repórter e editor, com passagens pela "Folha de S. Paulo" e revista "piauí".
Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)