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O porteiro do meu prédio
02/02/2023 | Tempo de leitura: 3 min
O porteiro do meu prédio, o senhor Antônio, é daqueles que chamam todos pelo nome, tem uma memória invejável. Ele diz que ter memória e ser observador são características fundamentais para a sua profissão.
Como ele mesmo me disse que trabalha no prédio a mais de trinta anos eu acho que posso validar a assertividade dessa frase.
Esses dias a Leila estava saindo de casa. Acho que é a terceira ou quarta vez que ela dorme aqui em casa. Quando passamos pelo senhor Antônio, ele ficou olhando. Na volta, comentou: "Gostei da garota, acho que agora vai".
"Como assim Senhor Antônio? Que papo é esse de agora vai?"
"Acha que eu não vejo o entra e sai de mulheres que é o teu apartamento? Mas não se preocupe, isso não é da minha conta. Mas é que eu acho que essa é a certa, agora vai..."
"E por que acha que ela é a certa, posso saber?"
"Você ainda não percebeu que fica rindo sozinho depois que ela vai? Ou que seus olhos brilham quando olha pra ela?"
"Que papo nada a ver."
"Diga o que quiser, diga e repita para si mesmo até se convencer do que já sabe ou quer acreditar. Eu só te falo que esses dias a vi dividindo um serenata de amor com um mendigo aqui da rua. Eu só acho que quem divide chocolate com mendigo merece área vip no coração."
"É bem a cara dela essas coisas, ela tem o coração enorme, acho que foi isso que me fez apaixonar por ela."
"Agora você admite?"
"Não é isso, eu gosto dela, mas tenho medo de me apegar e depois não dar certo."
"Não pense tanto nisso, siga em frente meu filho, ainda vou comer bem-casado na porta da igreja."
"Calma, senhor Antônio, ainda está no início."
"E o santo bateu? Porque quando o santo bate o resto é só detalhe e a gente querendo dificultar o que a vida insistiu em facilitar."
Fiquei pensando nas palavras do senhor Antônio. Eu não acho que a vida seja assim tão simples como ele classifica o campo dos amores, mas acho que sempre que eu quis transformar o amor em uma fórmula definida cheia de regras e variáveis eu acabei quebrando a cara e me frustrando. Acho que é isso que me falta. Ser menos eu e mais ele.
Afinal de contas o que ele deve ter visto de relacionamentos começarem em beijos e outros tantos terminarem em briga nessa portaria, fazem dele um terapeuta mais que preparado pra confortar e direcionar as pessoas nos dilemas e conflitos do coração.
Ou talvez seja só eu querendo arrumar motivo pra fazer o que meu coração e meu porteiro me aconselham.
É que eu e ela temos um quê que é só nosso, é o nosso tempero. Tipo o tutu de feijão da minha avó que tinha um tempero que ninguém definia o que era, mas que quando experimentava, queria repetir e se pudesse e as normas de etiqueta não criticassem levar pra casa uma marmitinha para comer no dia seguinte. E nessa de temperar o relacionamento a dois eu aprendi que não tem a ver com apagar as individualidades um do outro. Muito pelo contrário, eu entendi que o outro só é o outro porque ele tem sua partícula de individualidade e seus momentos a sós. E que são esses momentos que fazem da saudade morada no peito.
Pensando bem, sortudo mesmo é o senhor Antônio que fica só observando e aprendendo com o erro alheio: o que fazer, o que não fazer...
Estava aqui lembrando do tutu da minha avó, o tempero era coentro. O meu e o dela, bem, é intimidade e desejo.
Na cozinha da vida, cada um tempera com o que tem.
Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)
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