A vocação da Serra

02/02/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Por que é tão difícil para quem dispõe de um privilégio assumir-se privilegiado? Em outras palavras, como explicar que a proximidade de tesouros não motive todas as pessoas a curti-lo, a usufruir dele?

Assim como há parisienses que nunca subiram ao topo da Torre Eiffel e londrinos que nunca entraram no Museu Britânico, há jundiaienses que nunca se interessaram pela Serra do Japi. E não são poucos. Assim não fosse e Jundiaí teria várias entidades preocupadas em preservar esse patrimônio que ninguém construiu, mas que pode ser destruído se a insensibilidade continuar a vigorar.

Depois dos estudos realizados por Aziz Ab'Saber (1924-2012), um geógrafo que mereceria monumento nesta terra, mas que resta esquecido, como tantos outros, não se tem notícia da continuidade da expropriação para aumentar a área protegida. Algo que Walmor Barbosa Martins levava a sério, tanto que tentou criar uma Polícia Montada de tutela e fiscalização, baseada na tradicional milícia canadense e que teve continuidade com Ary Fossen.

Ressalvados atos individuais - e lembro de meu amigo Antonio Pereira, da Fazenda Ribeirão, um lutador que até sofreu reveses por ser um ecologista fervoroso -, não vejo movimentos em defesa da Serra. Esta continua a ser "vendida" pela especulação imobiliária, que deveria investir esse valor agregado como compensação. Pois há chagas abertas pela insanidade e pelo crime ecológico. É urgente o replantio dessas áreas devastadas.

Bons exemplos não faltam. O Pantanal explora a Serra do Amolar, no norte do Estado e ali mantém a sede do Instituto Homem Pantaneiro. Essa organização não governamental lidera a preservação, educação e turismo. Promove iniciativas como Felinos do Pantanal, Rede Amolar, Projeto Cabeceiras do Pantanal, Estratégias para Conservação da Natureza, Brigada Alto Pantanal, Memorial do Homem Pantaneiro e Amolar Experience.

Para chegar à região, é necessário tomar um avião em Viracopos e ir até Corumbá. Depois, em lancha por cinco horas até à Fazenda Acurizal, na Serra do Amolar. A Serra do Japi está aqui: a 40 minutos da capital. A 30 minutos de Campinas. A 5 minutos dos jundiaienses.

Não se pretende que agora haja uma invasão da Serra. Mas as Secretarias Municipais de Educação, de Cultura, de Turismo, deveriam recorrer às congêneres estaduais, ao SESI, ao SEBRAE, à FIESP-CIESP e elaborar um roteiro de exploração consciente e preservacionista da Serra. Pois o turismo pode e deve ser um agente de conscientização e mudança. Mostrar que o turismo não é apenas visitar - e deixar rastros da falta de educação de quem joga garrafa pet e restos de lanche pelo caminho - mas conhecer a região, sua flora, sua fauna, participar de iniciativas transformadoras.

Por que não explorar o watching Birds, a observação de pássaros que não é só atividade recreativa, mas pode ser considerada uma estratégia de ciência cidadã? Por que não conscientizar os que ainda caçam e fazem fogueiras na Serra? Por que não fazer um movimento de recolha das orquídeas comercializadas, depois que elas perdem a floração, para colocá-las no seu habitat natural, as árvores da Serra?

Com quantos viveiros de mudas a Serra do Japi conta? Como se faz a coleta das sementes das espécies nativas? Quem excursiona pela serra consegue identificar as árvores? Custaria muito uma plaquinha indicativa?

Ou seja: há muito a ser feito. Pela Prefeitura e pela sociedade. O que não pode haver é desconhecimento em relação a essa riqueza à nossa disposição: a Serra do Japi.

José Renato Nalini é diretor-geral de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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