Memórias da Fazenda São Geraldo

26/01/2023 | Tempo de leitura: 3 min

O escritor Luiz Haroldo Gomes de Soutello é um prolífico elaborador de bons textos. Acabo de ler "Histórias e memórias da Fazenda São Geraldo", que recupera episódios ocorridos no seio da família Junqueira. Assim que assumi a minha carreira no Ministério Público e depois na Magistratura, ouvia nas comarcas em que atuei – de início Votuporanga, depois Barretos – "por aqui, quem não é Junqueira é porqueira...".

Dentre os integrantes do clã mencionados por Luiz Haroldo conheci, embora não tenha me tornado íntimo, o desembargador Roberto de Rezende Junqueira. Não citado por ele, mas da família, o desembargador e Corregedor Geral da Justiça Humberto de Andrade Junqueira, homem reto e severo na função de fiscalizar juízes e servidores da Justiça. Também cheguei a trabalhar em Barretos com o juiz Gilberto Diniz Junqueira e tenho um amigo muito querido, José de Mello Junqueira. Foi seminarista, aluno de meu tio Monsenhor Venerando Nalini, conheci-o logo que me tornei juiz e, desde então, somos muito ligados.

É muito importante que, ao lado da história escrita pelos que relatam fatos e guardam as datas, a chamada "história oficial", haja mais investimento no resgate de histórias de famílias e de indivíduos. Foi isso o que o prefácio de Nico, - assim carinhosamente chamo Antonio Penteado Mendonça, que me sucedeu na presidência a Academia Paulista de Letras para o biênio 2023-2024 – enfatizou. Textualmente: "É aqui que "Histórias e Memórias da Fazenda São Geraldo" adquire dimensão de peça importante para o conhecimento de fatos cotidianos que tiveram consequências muito maiores do que os gestos em que se materializaram e que terminou por interferir na "história pública", dentro do cenário da "História Oficial do Brasil", numa determinada época, delimitada no tempo".

O tom narrativo de Luiz Haroldo é muito gostoso de ler. Parece uma conversa, bem coloquial e pitoresco. Faz com que também participemos dos "causos" colecionados principalmente entre as décadas de cinquenta e sessenta, era áurea para os de nossa geração.

Como são valiosas as lembranças que se tem de uma juventude sadia, alegre, envolvida em brincadeiras ingênuas, desprovida de maldade. Irmãos e primos em convívio com tios e avós, coisa que rareia em nossos dias de separações, ressentimentos, famílias parceladas por ruptura de elos que se prometia fossem eternos.

Feliz de quem tem histórias para contar. E de quem teve propriedades rurais como a "São Geraldo", uma apenas, e não a maior, na coleção de fazendas dos Junqueira.

Penso nas fazendas que conheci e que já não frequento mais. A Fazenda "Ermida", onde Vail Chaves e Antonieta Cintra Gordinho, filhos do grande brasileiro Eloy Chaves, o "Pai da Previdência Social", recebiam para almoços em que não podia haver treze comensais à mesa. Na Fazenda "Santa Rosa", onde pontificava a grande dama Rosa Scavone, anfitriã de encontros inesquecíveis. A Fazenda "Campo Verde", que foi uma experiência insólita, nunca mais ocorrerá, de proprietários ecologicamente corretos, que construíram entre Jundiaí e Jarinu uma verdadeira "Dowton Abbey", tamanho o requinte propiciado por Dulce e Victor Geraldo Simonsen aos seus privilegiados convivas. Todas elas mereceriam uma história. Tudo para provar que já fomos muito mais acolhedores do que somos.

A esperança é que Luiz Haroldo Gomes de Soutello continue a nos ofertar páginas tão saborosas e felizes, embora impregnadas de suave nostalgia.

José Renato Nalini é diretor-geral de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

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