A mesa ao lado

19/01/2023 | Tempo de leitura: 3 min

(Pode ser lido ouvindo "Eu não sei na verdade quem eu sou" do Teatro Mágico)

Eu me lembro da primeira vez que eu comi um pizza na vida. Eu devia ter uns cinco ou seis anos. Não me recordo ao certo a idade, mas não me esqueço de nenhum detalhe. Era uma pizzaria grande, estava cheia, acho que assim como meu pai todos os demais pais de nossa cidade no interior de Minas tiveram a mesma ideia de levar seus filhos pra comer fora. Eu olhava encantado pro lugar: o cheiro, o forno à lenha, os garçons todos com a mesma roupa, os lustres no teto e os pratos chiques de louça branca iguais os que tinham na casa da minha tia rica.

Enquanto eu comia a pizza, que era meia muçarela e meia calabresa eu ficava vendo as pessoas sentadas à mesa conversando, sorrindo e queria saber o que estavam pensando, do que ou quem estavam falando... Eu até daria um pedaço da minha pizza de calabresa (pois a de muçarela eu não abro mão) pra saber quais assuntos eram capazes de preencher aquele espaço com sorrisos e os sons das vozes se misturando no ar.

Dia desses me sentei em uma cafeteria para escrever uma de minhas crônicas como sempre faço, tinha uma ideia de texto pronta em minha mente.

Mas vi algo que mudou o rumo das palavras.

O casal da mesa ao lado estava claramente em um date.

Minha vó me ensinou que é feio escutar a conversa alheia.

Mas a curiosidade falou mais alto. É um hábito desde a infância.

Ela pediu um milkshake de chocolate e ele um suco de morango.

Um contraste perfeito, lembrei de novo de vovó.

"Os opostos se atraem."

É eu sei, minha vó era dessas. Cheia dos ditados na ponta da língua.

Ela parecia ter uns 40, ele um pouco mais de 50.

Pensa em um casal bonito de se ver.

Ela sorria a cada palavra que ele falava, com um sorriso tão largo que usava as mãos pra amenizar.

Quase interrompi pra dizer que não fizesse isso, era linda a química deles, quase invejável.

Fiquei aqui, só bisbilhotando.

Será se já fiz alguém rir assim em um date? Isso é o que chamam de casal maduro? Pensei calado.

Eu que sempre idealizei chegar aos 40 casado, com dois filhos três gatos e um porta-retrato com foto de quando fomos a Disney comecei a repensar algumas metas.

Não que não queira mais os filhos, casamento ou os gatos.

Pensando bem acho que três gatos são demais.

Eles vão derrubar o porta-retrato com a foto da Disney.

O problema é que já tinha os nomes dos gatos.

Belchior, Clarice e Gumercindo.

Gatos à parte, o casal da mesa do lado me fez ver que pode ser que a vida mude todo o meu planejamento e tudo bem.

Eu quando me sentei aqui ia escrever sobre o dia em que comprei minha máquina de escrever, e agora estou contando do casal da mesa do lado.

Naquele mesmo dia eu descobri que a máquina era mais um artigo de decoração retrô do que um recurso de escrita. O casal da mesa do lado me fez ver que pode ser que a vida mude todo o meu planejamento, foi assim na pizzaria, no café e em tantos outros lugares que a vida ainda me reserva descobrir.

A única certeza que tenho disso tudo é que minha vó não pode ler essa crônica, se ela souber que fico bisbilhotando a conversa alheia, ela vai brigar comigo.

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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