O grande envelope de Ademir Fernandes

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Conheci Ademir Fernandes no início da década de 1970. Enquanto eu era revisor de um jornal em Jundiaí, Ademir era o responsável pela área esportiva, praticamente cuidando de tudo sozinho. "Mosaico Esportivo", um dos espaços mais lidos do jornal, era sua principal coluna e publicada todos os dias.

Foi nesta mesma década que ele começou a viajar para São Paulo, trabalhando, inicialmente nos domingos no Jornal da Tarde. Uma legião de jornalistas de Jundiaí fazia viagem a São Paulo. Alguns trabalhando diariamente, outros acompanhando Ademir nos finais de semana.

Brincalhão e alegre, Ademir fazia piada com tudo, até mesmo com seu grande Palmeiras, e tinha um coração maior que seus quase dois metros de altura: ensinava os outros, orientava os principiantes e se divertia com o bom time de seu coração naquela época e com o Paulista de Jundiaí.

As viagens viraram diárias, com o passar do tempo e ele deixou o jornal local. Nossas conversas se resumiam a um ou outro telefonema e quando me mudei para Campinas, viraram saudade. Mas como o mundo não para de girar, voltei para Jundiaí e reencontrei Ademir que agora fazia o papel inverso: trabalhava todo dia em São Paulo e passava algumas horas neste Jornal de Jundiaí.

Uma das grandes histórias de humor de Ademir, ele me contou no mesmo dia em que relatou uma reportagem que fizera sobre um jogo do Palmeiras e colocou uma entrevista comigo, como torcedor, depois de uma vitória de nosso time. Claro que a entrevista nunca aconteceu, mas rimos muito desta passagem. E ele completou, relatando seu dia a dia em São Paulo.

Conta ele que todo dia viajava com um grande envelope amarelo debaixo do braço, sempre com papéis de trabalho. Ou que trazia para resolver por aqui ou que levava pronto para lá. E numa sexta-feira, como precisava retonar a São Paulo no dia seguinte, o envelope ficou numa de suas gavetas e lá foi ele para a Marginal do rio Tietê, esperar pelo Cometa passar. Por conta do horário, o motorista, diz ele, praticamente era o mesmo todas as noites. O que, imaginava ele, fosse conhecido. Até porque, entrar, pagar passagem, esperar troco, trocar algumas palavras com o motorista, imaginava Ademir que tinha uma amizade grande com o condutor do veículo.

Mas, nesta sexta-feira, Ademir quase fez um escândalo na Marginal. O ônibus não parou para ele, apesar dos acenos com as duas mãos e quase entrar na avenida. Foi alguém, dentro do ônibus que alertou o motorista para o passageiro desesperado. Quando entrou no ônibus, o motorista se desculpou, alegando que não viu o envelope amarelo debaixo do braço. Ademir sorriu, pagou a passagem, encontrou um lugar para sentar, e comentou com o passageiro do lado: "Pensei que o motorista me conhecesse, nestes anos todos, mas ele conhecia o envelope, não a mim".

A vida porém nos prega peças tristes e terríveis. E Ademir foi embora mais cedo do que todos esperavam, vencido por um câncer. Mas deixou em todos uma saudade muito grande. Até quem não torcia para o seu Palmeiras, aprendeu a gostar do time. Exatamente por causa do jeito de ser deste grande Ademir!

Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)

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