Se é verdade que gatos têm sete vidas, com certeza Puppy não ficou muito atrás disso e nem era deste gênero animal. Até porque era comum ouvi-lo latindo, o que significava que era um cão... Filhote de perdigueiro com vira-lata ou qualquer cão com raça indefinida, Puppy chegou em casa com um currículo invejável: tinha sido envenenado duas vezes. Mas estava ali, firme, forte, como se nada tivesse acontecido!
Cão de grande porte, branco, com manchas amarelas e marrons pelo corpo, Puppy foi morar com minha família em Campinas, depois da morte de Pituca, uma cachorrinha pequinês que morrera, fazia pouco tempo, envenenada! E Puppy chegou no final dos anos 80, quando a casa de minha família, em Jundiaí, foi vendida e meus irmãos e meu pai foram morar num imóvel menor.
E Puppy se adaptou facilmente à nova vida. Dócil, Puppy sempre se sujeitou a coisas que poderiam parecer impossíveis, como por exemplo brincar de cavalinho com meu filho de três, quatro e depois cinco, seis anos... Sua alegria era passear pela casa, mas tinha um problema sério: morria de medo de rojões. Certa vez, um grupo de garotos resolveu infernizar a vida dele, quando não estávamos em casa, jogando bombas no quintal. E Puppy chegou a atravessar uma grade, machucando seus ossos, para fugir desta maldade.
Na metade da década de 90, quando voltamos a morar em Jundiaí, Puppy nos acompanhou e, por conta de seu jeito calmo de ser, deixávamos o portão da rua aberto, para que pudesse dar suas voltinhas na rua. Voltava, tomava água, comia sua ração e, quando cismava, lá estava novamente dando suas voltinhas. E foi numa delas que Puppy sumiu! Percorremos ruas, quarteirões, olhamos pelas casas, chamamos por seu nome e não haviam respostas. Mas foi num final de tarde que, lá na esquina, sujo, mancando, machucado, faminto... que Puppy apareceu. Dez dias depois... Nunca nos contou por onde andou, nunca ficamos sabendo, mas o fato é que três dias depois estava refeito das dores e brincando normalmente com todos. Se gostava de passear pela casa, Puppy tinha suas paixões.
Um dia, no quintal de casa encontramos Jully, uma cadelinha que morava três quarteirões abaixo de casa. E imaginamos que os dois se conheceram nas idas e vindas de Puppy pelas ruas do bairro. Certa noite, quando Rita, minha esposa, rezava o terço com as vizinhas e explicava a elas o Evangelho, Puppy entrou pela porta da sala, sentou-se no meio dela, e ficou atento à pregação de Rita que fez um enorme esforço para não rir da cena. Mas como nada na vida é eterno, Puppy envelheceu, não conseguia mais enxergar, seus passeios se resumiam ao portão, ignorando a rua. Seu latido desapareceu, a alimentação era dada em sua boca, assim como a água, pois as pernas já não o ajudavam a dar mais do que três ou quatro passos.
No começo de 2000, depois de 12 anos vivendo conosco, Puppy deu sinais de que o fim estava próximo. Não adiantou carregá-lo até o carro e levá-lo ao veterinário. O silêncio dos últimos dias deixou marcas profundas,mas ficou a certeza de que um grande amigo não desaparece quando vai embora porque seu jeito carinhoso de agir se perpetua em nossas memórias e deixa recordações infindáveis!
Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)