Geração Pelé

05/01/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Sou da geração Pelé. Quantos outros milhões de brasileiros também não se orgulham de se tipificar assim?

Na Copa de 1958, não houve quem deixasse de se emocionar com aquele garoto que parecia mágico, de tanta intimidade com a bola. Tornou-se figura amada e foi entronizado no coração de todos. Fenômeno mundial, o Brasil passou a ser chamado o "País do Pelé". Todas as vezes que um brasileiro ia ao exterior, ao se identificar como brasileiro, era logo questionado: "E o Pelé?".

Vieram outros como Ronaldinho e Neymar. Porém, já não conseguem unanimidade. Porque Pelé, além de tudo, era um "bom moço". Simples, amável, polido. Nunca se exibiu. A celebridade não o afetou.

Posso me considerar privilegiado pelas vezes em que me encontrei com Pelé. A primeira, aqui em Jundiaí, no Grande Hotel. Início da década de sessenta, fui conversar com ele porque já trabalhava no JJ. Tenho fotografia comprobatória, tirada por Armando Pereira da Silva. Tempos em que ele era amigo de Dalmo Gaspar, nosso orgulho no glorioso Santos Futebol Clube. Cantei muito, junto com meu pai, o "agora quem dá bola é o Santos, o Santos é o novo campeão, glorioso alvinegro praiano, campeão absoluto deste ano...".

Muito mais tarde, houve outras oportunidades. Tenho várias camisas autografadas por Pelé, com dedicatória. Fui à inauguração do Museu Pelé, em Santos, com o Governador Geraldo Alckmin. Veio também ao Tribunal de Justiça, quando tive a honra de presidi-lo.

Lembrava-se com carinho de Jundiaí e do seu colega e amigo Dalmo. Incentivou o programa de reinserção do encarcerado, muito antes de ser provado como pai, com a prisão de seu filho Edinho.

O Brasil tem de se orgulhar de filhos assim. Que fazem com amor aquilo para o que foram predestinados. Que são sensíveis, que se emocionam com as tristezas alheias, que procuram minorar os males que afligem todos os viventes.

Nunca mais haverá outro Pelé e um foi o bastante para mostrar que a Providência está atenta para momentos em que se faz necessário produzir um gênio extremamente bem provido de virtudes e qualidades. Alguém capaz de inspirar os que virão e que nem sempre têm os melhores exemplos, diante da decadência da ética, da virtude, da ombridade, da singeleza e de outros atributos que parecem ter fugido na fase atual em que o mundo se encontra.

Sua fama é um patrimônio intangível do Brasil. Assim como Ayrton Senna, cujo jazigo é constantemente visitado por estrangeiros, na maioria japoneses, que visitam São Paulo. Assim que anunciada a sua esperada morte, após longa enfermidade e dolorosa agonia, em que a maldita doença o deixou inerme, o mundo inteiro só falou disso na tarde de 29 de dezembro de 2022. Televisões, jornais e redes sociais só falaram disso.

Não sei se é impressão, mas a cada final de ano, a morte de alguém célebre e querido entristece a chegada de um novo ciclo, algo psicológico, quase sempre desvinculado da realidade.

Pressinto que a "tática das homenagens" denominará "Pelé" logradouros públicos, campos de futebol, estádios, escolas. Ele merece. Foi um homem que se conservou simples, afável, acessível aos fãs que nunca deixaram de persegui-lo. Sei que há quem nele encontre falhas. Pois humano foi. Quem nunca errou, que atire a primeira pedra.

Quanto a mim, guardo dele a melhor imagem e me confesso fã ardoroso. Já era imortal em vida. Uma vida gloriosa, com lugar na vã eternidade dos homens.

José Renato Nalini é diretor-geral de uma universidade, docente de pós-graduação e secretário-geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br) 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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