O que encontrei de bom no cinema de 2022

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O Irã é um país triste. É o que vemos em dois grandes filmes que estrearam em 2022 no Brasil: "Um Herói" e "O Perdão", ambos sobre o sistema penal iraniano. No primeiro, um homem cria uma história para ter sua pena perdoada. Passa, do dia para a noite, à condição de herói, e se torna querido pela maior parte da sociedade. No segundo, uma mulher descobre que o marido foi executado injustamente e tenta uma retratação do regime aiatolá.

São dois dos melhores filmes de um ano com um pouco de tudo, de países diversos e formas as mais variadas. Se com "Um Herói" e "O Perdão" conseguimos enxergar um pouco de uma engrenagem maldita que guia o Irã, na crítica social de "Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental", de Radu Jude, também encontramos as engrenagens da Romênia atual. Em "Argentina, 1985", de Santiago Mitre, as da Argentina pós-ditadura. Em "O Traidor", de Marco Bellocchio, uma Itália igualmente em busca de justiça contra os mafiosos que comandam uma indústria paralela e perigosa, à sombra de um delator complexo.

Não para por aí: em "O Acontecimento", de Audrey Diwan, encontrei a França dos anos 1960, quando o aborto ainda era proibido (no Brasil ainda é). Em "Armageddon Time", de James Gray, os Estados Unidos amargos do início dos anos 1980, quando a eleição de um ator pouco talentoso, Ronald Reagan, tornava-se, para a tristeza dos liberais, uma realidade.

O cinema sempre nos ensina muito. Cada filme - mesmo os medíocres - tem algo a dizer, uma cena ou uma sequência capaz de fazer pensar. Raros são aqueles que estragam logo após a sessão e terminam na lixeira, na companhia da pipoca e do refrigerante. Em 2022, alguns grandes filmes alimentaram-me com o que há de melhor na sétima arte.

Com "A Mulher de um Espião", de Kiyoshi Kurosawa, descobri um pouco do que foi o Japão no período autoritário que antecede e acompanha a Segunda Guerra Mundial. Com "A Metamorfose dos Pássaros", de Catarina Vasconcelos, mergulhei nas memórias de uma família portuguesa - e nas de sua realizadora. A bordo de "Drive My Car", de Ryusuke Hamaguchi, assisti a uma evocação de Anton Tchecov como ligação entre um homem e sua amada morta, à medida que ele completa o texto do dramaturgo recitado por ela, no interior de seu carro, rumo ao trabalho. Hamaguchi faz tudo parecer simples e profundo.

Um ano de grandes filmes pouco falados ou divulgados. E de filmes medíocres ou ruins que ganharam a atenção de muita gente - e faturam prêmios na temporada que já começou e se encerra com a entrega do Oscar. Poucos se lembraram de "O Contador de Cartas", de Paul Schrader, sobre um ex-militar que aprendeu a jogar cartas e ganha a vida em cassinos, ou mesmo de "Il Buco", de Michelangelo Frammartino, uma experiência que nos lança ao interior de uma caverna, ao desconhecido, na Itália rural.

O ano que termina deu amplo espaço à patriotada de Tom Cruise e seu "Top Gun", que, se não chega a ser mais que diversão passageira, ao menos serviu para mostrar que filmes de ação à forma antiga - com pessoas a bordo de aviões verdadeiros - podem atrair a atenção de mais gente que os incansáveis super-heróis e seus cenários digitais.

Não que eu ligue para números de bilheteria. À contramão deles há sempre algumas pérolas à espera da nossa descoberta. Cinéfilos atentos não deixaram passar os últimos filmes de Sean Baker, David Cronenberg, Paul Verhoeven, Paul Thomas Anderson ou Jordan Peele. Todos mereceram nossa atenção e fizeram de 2022 um ano compensador.

Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com (ramaral@jj.com.br)

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