Sejamos todos jardineiros

15/12/2022 | Tempo de leitura: 3 min

A situação atual do planeta requer muito mais do que reflexão ou simpatia pela causa ecológica. Exige envolvimento, adesão consciente, atuação impactante. Isso obriga a um engajamento. A menos sejamos totalmente idiotas, no melhor sentido do verbete.

Algo que está ao alcance de qualquer humano preocupado com o amanhã é cuidar da recuperação de espaços degradados. A ausência de uma educação compatível com os desafios brasileiros torna as cidades um atestado da indigência ética de muitos. Talvez da imensa maioria dos humanos. Lixo, descarte inadequado de tudo aquilo que uma cultura egoísta do consumismo narcisista impede de enxergar as consequências dessa imundície. Terrenos baldios se tornam depósito de material de demolição que deveria ser destinado a lugares determinados pela Prefeitura. E, se a Prefeitura não cuida de tais espaços, cobre-se. O zelo em relação à cidade é obrigação de todos.

Há uma generalizada irresponsabilidade por parte de quem arremessa à via pública tudo aquilo que precisa ser recolhido e que tem valor, na política negligenciada da logística reversa. Repito: produzimos o lixo mais valioso do planeta. Jogamos fora aquilo que pode ser reaproveitado. Pagamos fortuna pela coleta, quando esses resíduos produzidos pela ignorância deveriam ser vendidos, ajudando o caixa das cidades.

Coisa de mentalidade pobre e rústica. Desperdício, gastança, em lugar de saber aproveitar das oportunidades para economizar e alavancar o empenho coletivo rumo a um país em que não haja tantos excluídos. O que se gasta com coleta de lixo poderia ser destinado a aprimorar a educação ou a cultura.

São raríssimos os exemplos de cidadãos altruístas, que recuperam as margens dos quase extintos cursos d'água, substituídos por asfalto para dar lugar a "sua excelência" o carro. Veículo ainda abastecido com o venenoso combustível fóssil. Mas esse heroísmo anônimo de pessoas comprometidas com a salvação do planeta precisa ganhar escala. É uma questão cultural?

Os ingleses, com sua tradição inquebrantável, são um bom exemplo de cuidadosa atenção com a jardinagem. Arte levada a sério. Um jardim florido e perfumado é um cartão de visitas para eles. Traduz mensagem explícita: "Aqui reside uma família de bem". Promovem concursos, fazem exposições de flores e plantas, criam exemplares híbridos, orgulham-se dessa vocação jardineira.

Não há quem não possa fazer o mesmo. Ensinar as crianças a cultivar. Encarregar-se de espaços públicos abandonados. É desalentador observar que no Brasil, o que é público equivale a não ter dono, enquanto na civilização de ponta, público é aquilo que é de todos.

O Poder Público pode incentivar essa prática saneadora de uma frustrante ausência de responsabilidade em relação à cidade. Multiplicar os viveiros de mudas. Premiar os melhores jardins, propiciar aulas de jardinagem, distribuir sementes e mudas, fazer com que algumas ruas com nomes de vegetais correspondam a essa denominação. Por que uma rua das Pitangueiras não tem um só exemplar dessa espécie genuinamente brasileira?

Não é necessária tanta imaginação, nem investimento financeiro, para tornar as cidades um espaço mais aprazível, que redundará num evidente acréscimo no índice de felicidade humana. Faz bem também para a saúde individual. Quem planta deixa de ser maledicente ou de reclamar da vida. Sejamos todos jardineiros, para nosso bem e o bem de nossa cidade.

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e autor de "Ética Ambiental" e outros livros (jose-nalini@uol.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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