Jundiaí vai poder ver, finalmente, as esculturas de Vera Lucchini, que submetidas a vários editais não passaram pela seleção da cultura oficial e burocrática.
Como em um renascimento, quase todas as suas esculturas foram feitas na pandemia, depois da artista passar meses na UTI em decorrência da covid, além de ter enfrentado um câncer, hoje superado. Mesmo com sequelas foi firme na realização dessas obras manifestos femininos. "O povo gosta de luxo, quem gosta pobreza é intelectual" Joãozinho Trinta.
Avessos ao seu trabalho, a provinciana Jundiaí dos tempos dos bons modos, das boas maneiras, dos meninos de azul e meninas de rosa pode finalmente apreciar suas esculturas que explodem indignação, revolta e clamam para atenção às violências cotidianas sobre as mulheres.
Depois de romper com as convenções, com a burocracia cultural e com os impedimentos que passou para apresentar a obra, mesmo depois de receber o reconhecimento na Bienal Naif do Brasil do SESC de Piracicaba, onde recebeu o prêmio de Menção Especial, não teve acesso aos lugares públicos da cidade. Talvez por sua obra incômoda, provavelmente pelo critério que não contempla estes propósitos na seleção de quem vai expor. Acompanhei cada passo, participei de cada defesa nesses editais que deram bola preta pra seu trabalho.
Apesar de superado isso, o conjunto é público. Sim, conjunto de esculturas difíceis de serem aceitas tem um lado ingênuo, mal compreendido por acadêmicos prontos para avaliar negativamente, mas se revela instigante consistente e com requinte de alta moda. Tímida na dimensão, fora dos padrões de obras contemporâneas, mas nem por isso não deixam de gritar.
A peculiaridade, entretanto, está representada nos cacos, gritante na memória do que Vera viu, sentiu, odiou e não esqueceu. Se os elementos de trabalho são degradados (cacos, sapatos, plásticos, bonecas), a história da mulher no século XX também é. Sua obra grita e denuncia as desmedidas diferenças e opressões contra a mulher, é uma constante procura, onde fazer e refazer entra em ciclo infinito. É o trabalho do mosaico, que, pela minuciosidade exigida, nunca termina. A paciência, a obsessão e a exigência da autora tornam as obras, joias.
Hoje se comemora a vitória da mulher na mudança de cultura do país e sobretudo sua participação fundamental nesse processo. Se essas obras provocam a esperança na mudança. Esse conjunto forte está colocado em uma segunda sala, a menor da Pinacoteca de Jundiaí, fora dos editais, mas com a força do que carrega e que construiu delicadamente com sua técnica e competência extraordinária empregada nessas esculturas.
Vera Lucchini Esculturas, com projeto e organização de Eduardo Carlos Pereira, fica em cartaz de 6 a 27 de novembro na Pinacoteca Diógenes Duarte Paes, Rua Barão de Jundiaí, número 109. A Pinacoteca fica aberta de terça a domingo, das 10h às 17h.
Eduardo Carlos Pereira é arquiteto (edupereiradesign@gmail.com)