Os índios, nossas vítimas

03/11/2022 | Tempo de leitura: 3 min

Os índios que moravam no Brasil quando os portugueses tomaram posse da terra sempre foram desconsiderados. Sabe-se que eram ingênuos, preservaram a natureza praticamente intocada, embora alguns detratores costumem dizer que eles é que iniciaram os incêndios, com a chamada “coivara”. Esta era uma técnica rudimentar de cultivo. Pequeníssimas áreas serviam para a combustão de troncos caídos, galhos secos, tudo o que estivesse a atrapalhar a lavoura. Nada comparável com os fogaréus criminosos de hoje.

Sempre me deixou inconformado constatar que o nosso direito não considerasse legítima a posse por eles exercida sobre vastos territórios. Qual o significado da superioridade do direito de quem chega sobre o direito – embora costumeiro, mas milenar – de quem já estava aqui?

Mas o pior é verificar qual o trato reservado a esses semelhantes. Em inúmeros aspectos, muito mais civilizados, mais éticos, mais ecológicos do que nós. Qual era o “estado civil” dos aborígenes?

Nada emanou da lusa metrópole para proteger os índios ou opor-se à sua destruição. E esta se fez de forma inclemente. Mediante assassinato, escravização, disseminação de doenças infecciosas que dizimavam aos milhares os indefesos, sem qualquer imunidade.

Havia intenso tráfico de índios, que eram capturados e encaminhados de uma capitania a outra, ao gosto do colonizador. Muitas tribos desapareceram. Sequer chegamos a conhecer a sua cultura, os seus hábitos, a sua linguagem.

Verdade que, em 1570, uma ordem régia de Dom Sebastião chegou a declarar livres os índios. Mas essa ordem não foi cumprida. Já  àquele tempo, o Brasil era uma terra em que existem “leis que pegam e leis que não pegam”. Narra Debret, em sua “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, que “em 1595 outra ordem régia de Filipe II reduziu para dez o número de anos de cativeiro imposto aos índios condenados à escravidão. Em 1605 novo regimento declarava livres os índios. O ano de 1609 vê surgirem novas ordens régias em seu favor. Em 1611, penas graves são impostas aos que se encontrem em contradição com as leis favoráveis aos indígenas; mas foi somente em 1755, sob o ministério de Pombal, que os índios foram declarados inteiramente livres”.

É de se reconhecer que os jesuítas procuravam catequisar os indígenas, mas o jugo exercido era suave. Não se matava quem não quisesse aderir à religião. Esta era apresentada de forma a empolgar os indígenas, em sua grande maioria quase infantis em seu relacionamento com os brancos.

O Padre Antônio Vieira foi um dos que profligaram em defesa indígena. Debalde. A maldade e a dureza de coração dos governadores e dos portugueses que aqui chegaram para extrair da nova terra tudo o que lhes desse lucro, mantiveram o espírito de hostilidade contra os índios.

Hostilidade que perdura hoje. As demarcações indígenas são o território mais preservado de um Brasil que precisa – urgentemente – vender créditos de carbono. A Constituição da República prevê a demarcação, e isso é a vontade soberana, pois o único poder num Estado de Direito é o do povo. O governante é servidor do povo, não seu suserano.

Se os brasileiros dessem conta disso, veriam que a tutela do indígena é fator de verdadeiro desenvolvimento e que dizer o contrário é que é atraso de vida.

José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022. 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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