OPINIÃO

Democratas atacariam a democracia?

Por José Lourenço Alves | especial para o GCN
| Tempo de leitura: 3 min

Entendo que não e que essa concessão de indulto ao deputado federal se revestiria de legalidade se apenas fosse considerado que a medida tem previsão na legislação e foi decretada por autoridade com prerrogativa para isso. Se questionado se a prerrogativa presidencial poderia ir ao ponto de afrontar sentença do STF e ao mesmo tempo dar interpretação rivalizante à jurisprudência da Corte, em especial no que se refere aos limites da liberdade de expressão, a concessão se mostraria ilegal por ser abusiva e invadir prerrogativa da Suprema Corte que só poderia ser indiretamente revista se o Congresso Nacional trouxesse lei que desse nova definição aos limites da liberdade de expressão.

No entanto, essa concessão de indulto especial não se revestiria do requisito de legitimidade, e isso se evidencia nas motivações do próprio Decreto – os seis “considerandos” que o embasam.

O motivo de que a medida é “fundamental à manutenção do Estado Democrático de Direito, inspirado em valores compartilhados por uma sociedade fraterna, justa e responsável” não procede, pois os fatos pelos quais o deputado foi condenado são, em si, ataques ao Estado Democrático de Direito e, portanto, afrontam de modo evidente o objetivo de construção de uma sociedade livre, justa e solidária. As condutas que levaram à condenação investem exatamente contra a sociedade fraterna, justa e responsável.

O motivo de que “a liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações” não é aplicável ao caso porque as condutas do deputado condenado abusam e corrompem o instituto da liberdade de expressão, inclusive nos termos do que se tem definido como tal, inclusive pelo Poder com prerrogativa para estabelecer os limites dessa liberdade.

O motivo de que a medida é “destinada à manutenção do mecanismo tradicional de freios e contrapesos na tripartição dos poderes” é em si mesmo improcedente, no sentido de que invade prerrogativa de outro poder (o judiciário, no que se refere aos limites da liberdade de expressão), sem autorização legal e específica para tanto.

 O motivo do “juízo íntegro baseado necessariamente nas hipóteses legais, políticas e moralmente cabíveis” é inconsistente. Encontra amparo tão somente na afinidade política e ideológica entre quem concedeu o indulto e quem o recebeu. A base de legalidade e moralidade da concessão, conforme já mencionado aqui, não se sustentam.

O motivo de que “ao Presidente da República foi confiada democraticamente a missão de zelar pelo interesse público” é autoexplicativo, mas, também, não se aplica ao caso, pois a missão de zelar pelo interesse público, num regime democrático, precisa se revestir de legalidade e legitimidade, mesmo quando puder ser discricionária. Esse “considerando” toma como democrático o que é, em essência, autoritário.

O motivo de que “a sociedade encontra-se em legítima comoção” é emblemático de que a medida considera “sociedade” um segmento isolado da sociedade brasileira. Até mesmo pelas consequências catastróficas que um vale tudo na liberdade de expressão causaria à sociedade como um todo, muito maior que a comoção à condenação do deputado tem sido a comoção ao indulto que lhe foi concedido.

José Lourenço Alves é Promotor de Justiça aposentado e presidente da Academia Francana de Letras.

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