
Mauro Guimarães Soares, 54, ingressou na Polícia Civil aos 19 anos quando foi aprovado no concurso público de investigador. Desde 1988, atua como delegado de polícia.
Ao longo das últimas três décadas, trabalhou em São Paulo no Deic (Departamento de Investigações Criminais), DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), DPPC (Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania), Decon (Delegacia de Defesa do Consumidor) e também na Corregedoria, órgão da Polícia Civil do Estado de São Paulo responsável pela investigação de crimes e infrações administrativas praticadas por policiais civis.
Doutor Mauro também atuou nas delegacias de Carapicuíba e Barueri na grande São Paulo. Até o começo do ano, era o chefe da Polícia Civil em Osasco. Em março, foi designado pela Delegacia Geral de Polícia para assumir a Delegacia Seccional de Franca no lugar de Marcelo Caleiro, que se aposentou.
O delegado Mauro vai chefiar a Polícia Civil em Franca e mais 16 cidades da região. Nunca esteve antes em Franca. Encontrou um cenário preocupante, com falta de policiais e excesso de ocorrências criminais. Para tentar dar conta da demanda, terá que tomar medidas drásticas, como fechar delegacias. O policial recebeu o Comércio e falou sobre o desafio que terá pela frente.
Como o senhor veio parar em Franca?
Trabalhei, praticamente, a vida toda na grande São Paulo. Chegou o momento de mudar de lugar, de mudar de ares. A chefia perguntou se eu gostaria de vir para o interior e respondi que sim. Como apareceu a vaga em Franca, decidi me mudar para a cidade. Eu não conhecia Franca e estou gostando bastante.
Minha família não me acompanhou. Minha filha já é grande e tem os negócios dela lá. Então, ela e a mãe acabaram ficando.
O senhor saiu de um grande centro, onde trabalhou por mais de três décadas, e se mudou para uma cidade de médio porte do interior, que têm características completamente diferentes. Como está sendo este choque de realidade?
As pessoas acham que é a mesma coisa, que, por ser a mesma Polícia Civil, são os mesmos problemas, mas é muito diferente. A gente até se assusta. Até mesmo o horário de trabalho é diferente. Aqui, começa mais cedo, termina mais cedo também.
Na área de abrangência da Delegacia Seccional há muitas cidades pequenas. Não é apenas Franca. Ao todo, são 17 municípios.
Em sua maioria, são cidades pequenas e sem condições razoáveis de trabalho. É difícil. Está sendo uma prova diferente.
Qual a maior dificuldade que o senhor encontrou? Os índices de criminalidade ou o número insuficiente de policiais?
O índice de criminalidade em Franca é bem razoável. Inclusive, nesta semana, saiu uma reportagem na Folha de S. Paulo mostrando que Franca é uma das cidades menos violentas do Estado. Eu, que vim de Osasco, que é uma das mais violentas, para mim, a situação que encontrei em Franca é bem reconfortante.
Sabemos que há aquele pequeno crime do dia-a-dia, principalmente, o roubo, o roubo de celular. Isto, temos que combater. Fiquei feliz de ver que os crimes graves todos são resolvidos. Há tempos que não acontece um crime que não tenha sido solucionado. Nossos policiais, apesar das dificuldades, conseguem dar uma boa resposta.
O efetivo atual da Polícia Civil de Franca é menos da metade do que era há 20 anos. Por outro lado, o número de criminosos não para de crescer. Como combater a criminalidade com uma quantidade tão pequena de policiais?
Esta situação preocupa e dificulta o nosso trabalho. Vamos criando novas regras para tentar aproveitar melhor o pessoal. O pior não é o quadro atual. O pior é que a tendência é de que o quadro deficitário de policiais vai piorar ainda mais, pois todo os dias tem gente se aposentando.
Pode ser que, daqui a alguns meses, o que já está ruim, esteja pior ainda. Não há nada que a gente possa fazer agora para mudar esta situação.
O senhor vê uma solução a curto ou médio prazos? Como resolver este problema, pois o crime não para e precisa ser combatido?
Depende muito de vontade política do governo e, logicamente, de dinheiro também. Não é que o governo não queira fazer.
Não sei das condições financeiras, do quanto o governo poderá investir na polícia, mas precisamos de mais gente, é preciso fazer mais concursos. O problema é que, mesmo que o governo resolva fazer concursos, vai demorar em torno de uns dois anos para as vagas serem ocupadas.
Qual o impacto causado pelo número insuficiente de policiais na vida do cidadão vítima de algum crime?
Nas cidades menores, principalmente, não há condições de investigar nada mesmo. Só quando ocorre algum caso grave que as delegacias especializadas de Franca, DIG e Dise, vão paras as cidades que pertencem à nossa área de atuação para assumir estas ocorrências. Os crimes menores do dia-a-dia a gente não consegue investigar. Logicamente que o cara que é ladrão, uma vez ele escapa, mas na segunda ele acaba sendo preso. Os crimes pequenos ninguém comete uma vez só. Cedo ou tarde, o autor vai ser preso em flagrante.
O número reduzido de policiais é uma exclusividade de Franca ou uma realidade presente em todo o Estado?
Na verdade, o Estado inteiro sofre com isto, mas em algumas regiões o problema é menor. Para minha surpresa, em que pese a falta de policiais e o quadro atual, Franca ainda não é o pior lugar de São Paulo não. Em outras seccionais, na região de Ribeirão Preto mesmo, a situação é pior. Nossa situação é ruim, mas gente respira.
A pressão da classe política, vereadores, prefeitos e deputados, pode ajudar a amenizar esta situação deficitária?
Sem dúvida nenhuma. A gente conta com o apoio político, especialmente, dos prefeitos. Não adianta eles reclamarem que a delegacia, eventualmente, não funciona como eles queriam, se não temos gente para fazer funcionar como deveria realmente. Isto, é muito claro.
As Prefeituras, às vezes, ajudam com estagiários que nos auxiliam no atendimento. Esperamos um apoio maior. A pressão política é importante para fazer com que venha mais policiais para a nossa região.
Há um concurso de escrivão e de investigador em andamento. Logicamente, que os aprovados vão ser distribuídos no Estado inteiro. Se houver a vontade política, pode ser que venha um pouco mais de gente para nossa região.
Mesmo com um efeito muito aquém das necessidades, o índice de esclarecimento de crimes em Franca está entre os melhores do Estado. Este resultado positivo se deve à qualidade dos policiais de Franca?
Realmente, não só graças à qualidade, mas também à vontade do pessoal, que não mede esforços e se redobra por dois ou três para dar conta da demanda. A vontade dos policiais é impressionante aqui.
A polícia nunca teve e nunca vai ter o número ideal de gente, mas, nem por isto, vamos deixar de trabalhar. O que temos que fazer muitas vezes é priorizar crimes mais graves em detrimento de crimes menos graves. Estamos preparados para enfrentar a criminalidade. Possuímos armamento e pessoal treinado. O número é pouco, mas nossos policiais são qualificados.
A ajuda da população, por meio da vizinhança solidária em que os moradores denunciam ações suspeitas ou autores de crimes, é uma aliada importante da polícia para compensar a defasagem de pessoal?
Sem dúvida, a ajuda da sociedade é muito interessante. Muitas vezes, a pessoa não quer se envolver, mas o combate ao crime depende deste apoio. Além de auxiliar a polícia com denúncias, é importante também se envolver, pois muitas vezes contamos com a população para testemunhar crimes. A sociedade pode se envolver um pouco mais, sim. A segurança é obrigação de todos e todos sofrem com a falta dela.
Na tentativa de melhor usar a escassa mão de obra, o senhor pretende juntar as delegacias especializadas, DIG e Dise, e reduzir o número de delegacias. Um antigo projeto da Polícia Civil local é centralizar todos os distritos policiais no prédio do antigo Fórum. Como estão estas tratativas?
A unificação das unidades policiais neste prédio não depende de mim. No máximo, a gente pode fazer um estudo, mostrar a situação e encaminhar para a Delegacia Geral de Polícia, que vai analisar o caso e ver qual é a melhor solução.
Temos algumas ideias para melhor utilizar o nosso pessoal e otimizar o serviço, mas não podemos afirmar o que será feito, pois tudo depende de análise superior.
Em relação ao antigo Fórum, o prédio não pertence à polícia. É preciso que o Poder Judiciário abra mão e que o Estado se interesse. A eventual ocupação do prédio depende de tratativas entre o Secretário de Segurança com o Tribunal de Justiça de São Paulo.
A Polícia Civil tem interesse em usar o prédio?
Com certeza, tem. Ainda estamos estudando o que serial ideal implantar lá. O prédio é antigo, mas muito bom. Fui ao local fazer uma vistoria e gostei. Há alguns problemas, como a questão dos alagamentos, mas isto dá para resolver desde que se tenha dinheiro.
Como está o projeto de redução de distritos policiais e unificação da DIG com a Dise?
Estamos avaliando a possibilidade com calma para tomar a decisão mais acertada. Do jeito que a situação está hoje, é muito difícil trabalhar e oferecer um bom serviço para a população.
Podemos reduzir o número de distritos pela metade ou juntar tudo em uma delegacia só. Já faz alguns anos que muitas cidades têm feito isto, colocando as unidades policiais em uma só delegacia. É uma alternativa para melhor usar os policiais.
A Delegacia de Defesa da Mulher, localizada na avenida Hélio Palermo, e que foi alvo da ação de criminosos, já voltou a funcionar normalmente?
A delegacia nunca deixar de funcionar 100%. O cartório continuou lá e as ocorrências eram registradas aqui na Seccional. Agora, já voltou tudo para lá.
O prédio da DDM, realmente, é muito ruim e nossa ideia é mudar de lá. Já temos um projeto e escolhemos o novo endereço. Precisamos apenas da verba para providenciar a mudança.
Quais são os crimes que mais preocupam a Polícia Civil de Franca?
Não podemos escolher o que combater, mas algumas coisas a gente prioriza, como o combate ao tráfico de drogas e os casos de furto de automóveis e de residência.
Mas, para mim, o que mais nos preocupa são os casos mais graves. O que mais assusta é o roubo, porque o roubo sempre pode causar um homicídio, uma ocorrência mais grave, além de causar mais intranquilidade na população.
O que mais tem hoje em dia é o roubo de celular e vamos combater este tipo de ocorrência. Vamos combater, não só os ladrões, como também os receptadores.
Qual mensagem o senhor gostaria de deixar para os leitores?
Quero dizer que viemos para Franca com o objetivo de realizar o melhor trabalho possível. Não posso garantir para a população que não vai existir crime nenhum, mas os índices de crimes na cidade estão em um nível razoável e vamos nos empenhar para diminuir cada vez mais o número de ocorrências.
Pode acontecer de uma delegacia fechar, mas, é exatamente para sobrar mais gente para a investigação, para ter mais gente para trabalhar de fato.
Quanto mais a gente enxuga isto, é menos policial que vai ficar a madrugada inteira dormindo sentada na delegacia esperando alguma ocorrência que não vem. Este policial estará trabalhando na investigação.
Nossa intenção é melhor aproveitar o material humano com as informações de inteligência que temos. Apesar de faltar gente, a tecnologia é uma aliada. Temos cada vez mais instrumentos para facilitar a investigação.
Se Deus quiser, vamos fazer um bom trabalho em Franca e região.
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