Tinha 16 anos quando fui na primeira grande formatura da minha vida. Morava em Campinas num apartamento que dividia com Ruy Gabriel Balieiro Filho, amigo de infância. Cursávamos o segundo grau no colégio Integral. Um outro amigo de infância, Lelo Della Torre, um ano mais velho, estudava em São Paulo. Estávamos em 1990 e Lelo concluía, naquele ano, o terceiro colegial no Dante Alighieri, reduto da colônia italiana na capital paulista. A festa de formatura aconteceria no Aeroanta, boate que tinha filas quilométricas para entrar. Mas naquela noite de formatura no final do ano, a casa estaria fechada apenas para os estudantes do Dante e seus convidados. Eu e o Ruy, graças ao Lelo, éramos dois deles.
Num tempo em que as restrições ao consumo de álcool para menores de idade eram bem mais frágeis, especialmente quando tais jovens moravam a 300 km dos pais, o entusiasmo falou mais alto do que a prudência. O lugar era lindo, colorido, sedutor. Luzes piscando, gente bonita, música contagiante, comida excelente e bebida idem.
Tomei uma taça de vinho. Outra. Mais uma. E mais outra. Depois, perdi a conta. Me lembro que saímos de lá para um café da manhã num hotel. A essa altura, minha cabeça já pesava uma tonelada. Fui dormir com a cabeça doendo. Acordei com a cabeça doendo. Passei o domingo com a cabeça doendo. Veio a segunda-feira e, para minha surpresa e aflição, a maldita dor de cabeça continuava. Estava com uma ressaca monstro. A lembrança do vinho da noite de formatura me provocava náuseas. A simples ideia de beber, nas semanas seguintes, era simplesmente impossível. Provocava repulsa imediata. Fiquei um bom tempo sem colocar uma gota de álcool na boca.
Lembrei desta história por conta da corrida eleitoral que tem, neste domingo, seu momento decisivo. Nessas associações que o cérebro faz sem lógica aparente, me vi pensando que, de certa forma, parte significativa dos eleitores brasileiros estão, neste instante, como eu estava depois daquele porre juvenil de 1990: com uma enorme ressaca – só que, evidentemente, eleitoral. Muita gente não aguenta mais falar de política. Discutir candidato A, B ou C. Receber mensagens de grupos de whatsapp ora com ofensas, ora com fake news. Ouvir promessas e propostas sem profundidade. Acompanhar debates modorrentos. Surpreender-se com a escalada do ódio de muitos contra vários. Beira o insuportável. Dá náuseas. Provoca repulsa.
A rejeição do brasileiro ao processo político é tão grande que, em vários níveis, os candidatos que chegam à reta final na condição de favoritos são aqueles que fizeram menos campanha, tiveram menos recursos, usaram menos tempo do horário eleitoral, participaram de menos debates. No sentido inverso, aqueles que se lançaram há mais tempo, estruturaram melhor suas campanhas, tiveram acesso a mais recursos, costuraram alianças mais amplas e têm maior tradição estão amargando posições que, muitas vezes, reduzem seus protagonistas à condição de nanicos.
Obviamente, o cenário nacional é o que melhor traduz esta percepção. Jair Bolsonaro (PSL), o líder que chega ao dia de votação com alguma possibilidade de ser eleito já no primeiro turno, basicamente não fez campanha. Esfaqueado por um lunático durante campanha em Juiz de Fora (MG), Bolsonaro passou por duas cirurgias e ficou grande parte da campanha internado no hospital. Quando saiu, recolheu-se em sua casa num condomínio do Rio de Janeiro e lá permaneceu, longe de debates e de polêmicas. Gravou alguns vídeos para redes sociais, concedeu um par de entrevistas e... nada mais. Ainda assim, chega ao final da corrida eleitoral com mais de 40% dos votos válidos. Se chegar a 50% mais um voto, liquida a fatura hoje.
Na outra ponta, há Geraldo Alckmin (PSDB), múltiplas vezes governador paulista que se preparou com grande antecedência para esta sua segunda disputa presidencial. Assumiu a presidência do PSDB para evitar “fogo amigo”; costurou apoios com nove partidos; garantiu metade do tempo no horário eleitoral gratuito no rádio e TV, grande o bastante para apresentar uma minissérie se tivesse assim decidido; fez inúmeros atos de rua; participou de todos os debates e sabatinas e, ainda assim... não decolou. Seu desempenho na disputa parece voo de galinha: baixo, curto, pesado. Começou com 7%, bateu em 11%, recuou para menos de 10%. Considerados seu histórico e os recursos que tinha à disposição, frustrante é pouco para sintetizar o resultado de seu desempenho.
Aqui em Franca, admitindo-se como corretos os números da pesquisa do Instituto de Economia da Acif divulgados nesta semana, tem-se lógica semelhante. Quem se preparou há mais tempo, estruturou melhor a campanha, colocou a equipe na rua antes, aparece atrás daqueles que deixaram para entrar em campo mais tarde. Reforça-se, aqui como em todo o país, a percepção de que o eleitor está simplesmente cansado de ouvir os candidatos. Falar menos e economizar na campanha tem parecido a melhor estratégia.
Qualquer que seja o resultado desta eleição, é importante que o vencedor governe para todos, inclusive para aqueles que se opuseram a ele. Quem perder, precisa entender que, a despeito de ideais ou convicções, a urna legitima a vitória e o resultado tem que ser respeitado. Ressaca de porre se cura com água e repouso. Para ressaca eleitoral, o único jeito é paciência e o fundamental exercício da tolerância, da convivência com quem pensa diferente. Nenhum outro remédio é possível para quem acredita – e defende - a democracia.
Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.