
É de uma sala ampla, com poucos móveis e muito bem organizada no segundo andar do prédio da Delegacia Regional da Receita Federal em Franca que Ricardo Alexandre Grandizoli, 33 anos, comanda 85 servidores que realizam por ano mais de 50 mil atendimentos relacionados ao recolhimento de tributos e emissão de documentos.
O bacharel em Direito formado pela Unirp (Centro Universitário de Rio Preto) ingressou na Receita Federal em 2001. A aprovação no concurso para técnico do órgão obrigou sua mudança de São José do Rio Preto para Franca. Cinco anos mais tarde, uma nova mudança. Desta vez, para a capital brasileira. Aprovado para o cargo de auditor fiscal, Ricardo Alexandre foi para Brasília para receber treinamento. Pouco depois de retornar a Franca, em 2008, assumiu o cargo de delegado-adjunto da Regional, que só deixou em novembro deste ano para ocupar a direção da Delegacia.
Simpático e articulado, Ricardo Alexandre defende a eficiência do serviço público e o respeito ao cidadão acima de qualquer coisa. Se diz orgulhoso de fazer parte dos quadros da Receita há quase dez anos. Só não gosta muito quando alguém comenta que é muito novo. “Realmente tenho apenas 33 anos. Mas estou na Receita há quase uma década. Aqui não temos apadrinhamento nem favorecimento. A evolução na carreira se dá por mérito e conhecimento. Se hoje ocupo este cargo é porque trabalhei e me dediquei muito para isso”.
Ao longo da entrevista, Ricardo preferiu não falar em números da Receita sem ter os relatórios da Delegacia em mãos. Também defendeu o órgão em que trabalha ao comentar o escândalo de vazamento de dados durante as eleições presidenciais do ano passado. “Na Receita, se algum servidor tem uma conduta desvirtuada e ela é comprovada, ele é punido. Aqui trabalhamos honestamente”.
Comércio da Franca - O senhor acaba de assumir o comando da Delegacia Regional da Receita Federal em Franca. Segundo os dados da própria Receita, são 50 mil atendimentos feitos aqui até novembro. Esse grande volume ainda gera queixas de demora na prestação de serviços e de falta de funcionários. Qual a real situação do posto da Delegacia Regional de Franca hoje?
Ricardo Alexandre Grandizoli - Com relação à demora, evoluímos bastante nestes últimos anos. Estamos mais atentos a esse problema e hoje acompanhamos todo o serviço. Para se ter ideia, em janeiro de 2010, uma pessoa esperava em média aproximadamente 17 minutos para ser atendida por um servidor da Receita em Franca. No último levantamento que fizemos em novembro, esse tempo médio caiu para oito minutos.
Comércio - Ainda há espera. Existe algum parâmetro que a Receita Federal considere como ideal para a prestação de serviços?
Grandizoli - Existe uma fixação nacional de meta que hoje está nos 20 minutos. Para o ano que vem, passará a ser 15 minutos. Aqui, em Franca, há tempos, já superamos essa meta, mas continuamos buscando melhorar. Mas há momentos de sazonalidade, em que certas demandas surgem e esse tempo de espera acaba fugindo um pouco do controle. É quando temos de fazer alguma alteração especial internamente, deslocando um servidor de um outro setor para dar suporte no atendimento, trazendo algum servidor de uma outra agência que está com o tempo de espera mais adequado para que nos ajude aqui em Franca.
Comércio - O Posto de Franca conseguiu reduzir em quase 10 minutos o tempo de espera. Ainda há necessidade de novas contratações?
Grandizoli - A delegacia tem déficit de servidores desde a sua criação. Franca era uma agência da Delegacia de Ribeirão Preto até 1998, quando passou a ser uma delegacia e assumir determinadas atividades. A quantidade de serviços aumentou mas a de servidores não cresceu na mesma proporção. Tivemos alguns concursos mas a maioria foi para reposição de pessoal. Um recente estudo mostrou a nossa lotação ideal da Receita Federal em todo território brasileiro está preenchida em apenas 60% aproximadamente. Aqui não é diferente.
Comércio - O senhor acabou de assumir o comando da delegacia. Quais são os desafios e quais são as metas a serem cumpridas?
Grandizoli - Em primeiro lugar, nossa meta é manter o nível de desempenho na área de atendimento. Houve uma melhora muito grande, que precisamos manter em equilíbrio para que o contribuinte não tenha nenhum tipo de transtorno. Temos um nível de arrecadação muito bom na região. Com a retomada da economia, algumas ações que adotamos de monitoramento de arrecadação fizeram superássemos a previsão para este ano e isso também queremos manter.
Comércio - O senhor disse que houve um aumento da arrecadação. De quanto ele foi e a qual área está relacionado?
Grandizoli - A delegacia tem um patamar histórico de arrecadação. Com base nesse patamar histórico, são fixadas metas de arrecadação para as unidades. A nossa previsão para o período de janeiro a novembro era de R$ 1,5 bilhão. Nós já atingimos R$ 1,7 bilhão, mais de 10% acima. Esse resultado deriva do nosso trabalho de acompanhamento de arrecadação, com ações de fiscalizações.
Comércio - O senhor tem ideia do volume de autuações de irregularidades registrado mensalmente pela Regional de Franca?
Grandizoli - Até novembro, foram 1.700 declarações que precisaram ser revisadas e 199 empresas fiscalizadas, o que gerou um montante de mais de R$ 150 milhões para a Receita, sendo R$ 117 milhões com as fiscalizações de pessoas jurídicas e mais de R$ 38 milhões na malha das pessoas físicas. Isso só até novembro. Em 2009, nós tivemos 180 fiscalizações de pessoa física e jurídica e 1840 revisões de declarações.
Comércio - Falando ainda em fiscalização, a Receita faz cruzamento de dados para identificar erros ou mesmo sonegações de imposto. Hoje, como funcionam esses cruzamentos?
Grandizoli - A Receita recebe informações de diversos órgãos e dos próprios contribuintes. Eventualmente, a própria Receita toma a iniciativa de pedir informações para que fazer um banco de dados. Temos atualmente uma infinidade de cruzamentos. Existem alguns que são mais comuns, como o das despesas médicas, de movimentação com cartão de crédito e, quando ainda vigorava, a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).
Comércio - Então, o número de elementos possíveis de serem cruzados aumenta sempre?
Grandizoli - Sim, a Receita tem que sempre se aperfeiçoar. Infelizmente, a pessoa que está disposta a sonegar é criativa. É importante desenvolver uma ferramenta a mais a cada dia.
Comércio - Apesar de todo esse trabalho de cruzamento de dados e fiscalização para identificar sonegadores, a ação da Receita ainda é limitada por lei que “suspende” a punição do sonegador que paga seus débitos. Como o senhor vê a legislação tributária brasileira? Ela não é complacente com quem sonega?
Grandizoli - Eu acho injusta a previsão legal no sentido de que a pessoa que sonega sofre todo um procedimento. Quando o contribuinte sonega, nós fazemos a autuação, aplicamos as multas devidas. Mas o contribuinte tem a opção de parcelar a dívida e fica suspensa a pretensão punitiva se é um caso que houve o dolo e se enquadrou em uma questão penal. Aí, ele paga esse parcelamento e penalmente não sofre punição nenhuma. Eu acho injusto.
Comércio - A indústria calçadista de Franca tem a fama de ser sonegadora. De fato, há muita sonegação na área calçadista ou não?
Grandizoli - Eu não diria que a indústria calçadista é sonegadora. Todo segmento tem aquele que procura desviar a sua conduta e partir para uma conduta de sonegação. Com certeza não é a maioria. A gente tem sonegações na indústria calçadista como temos em diversos outros segmentos. Estamos aqui para combater a sonegação e para proteger a própria indústria.
Comércio - O senhor tem alguma ideia do volume de sonegadores em Franca?
Grandizoli - Não. Nós não temos condição de sair fiscalizando todas as empresas. O que nós temos são estes números que a gente fiscalizou no decorrer do ano...
Comércio - Muitos empresários dizem que sonegam porque a carga tributária brasileira é alta. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a afirmar no ano passado que não considera a carga tributária alta e que ela é adequada às necessidades de um país do tamanho do Brasil. Qual a opinião pessoal do senhor a respeito?
Grandizoli - Eu considero que não é excessiva não. O tributo, na verdade, serve para fazer jus aos gastos. Ter uma saúde adequada, ter uma educação adequada requer recursos e eles só vêm dos impostos que são pagos. Se eles são aplicados corretamente ou não, tem os órgãos de fiscalização para verificar isso. Mas se nós temos um País do tamanho do Brasil com todas as desigualdades que tem, não dá para imaginar que nós vamos ter um nível de vida bom sem o pagamento de tributo. Infelizmente, tributos são uma necessidade. Normalmente vemos apenas a demonstração da carga tributária comparada, percentualmente, com o PIB (Produto Interno Bruto). Mas a comparação deveria se dar também com outros itens, como por exemplo, a população nacional, pois isso nos dá uma outra dimensão para a carga tributária, uma dimensão do quanto o governo disporia para investir por habitante. No Brasil, a carga tributária por habitante é de US$ 3 mil, muito menor que países como a França (US$ 20 mil) ou os EUA (US$ 12,9 mil). Não podemos aceitar apenas uma ótica de comparação para se medir o tamanho da nossa carga tributária.
Comércio - Muitos empresários francanos também se queixam da entrada de produtos asiáticos no mercado brasileiro, principalmente os relacionados ao calçado. Eles falam que, com a taxação que foi feita sobre as mercadorias chinesas, os importadores fazem o que eles chamam de triangulação, em que País tributado vende para terceiro não tributado e esse não tributado ingressa no Brasil, prejudicando os empresários locais. Há alguma ação específica da Receita sobre este ponto. Aqui na base de Franca, já houve algum caso?
Grandizoli - Que tenha chegado ao meu conhecimento, aqui na base de Franca, ainda não. Mas eu sei que nacionalmente a receita federal já identificou muitos casos, usando dessa triangulação. A receita sempre está procurando cobrir essas brechas.
Comércio - Em Franca, não é difícil vermos pessoas vendendo produtos contrabandeados ilegalmente ou pirateados. Como é a ação da Receita nesta área?
Grandizoli - Estamos trabalhando, fiscalizando. Só neste ano, até novembro, apreendemos mais de R$ 800 mil em mercadorias contrabandeadas ilegalmente. Temos apertado o cerco contra os ônibus que viajam para o Paraguai. Tanto que verificamos um crescimento da apreensão de contrabandos em carros particulares. Quanto à pirataria, também temos feito operações em parceria com a Polícia, mas nosso objetivo maior é combater aquele que produz a pirataria. Não adianta fazermos apreensão de CDs ou DVDs piratas se não combatermos a produção destes materiais. Estamos agindo, mas ainda há muito trabalho a ser feito.
Comércio - O senhor ingressou na Receita Federal em 2001, acompanhou toda a formação do que chamamos de Super Receita. Como o senhor vê essa criação? Realmente houve benefícios efetivos para a população?
Grandizoli - Sem dúvida houve muitos benefícios. Facilitou bastante a vida de muitas pessoas. Imagina uma pessoa, no caso da construção civil, ter que vir à Receita, pedir a regulamentação de um débito para obter uma certidão negativa, aí ele tem que ir lá ao INSS para comprovar a regularidade da contribuição previdenciária e pegar outra certidão para o mesmo objetivo. Com a Super Receita, esses serviços foram concentrados em um só lugar. Levamos um tempo para adequarmos os sistemas, mas hoje a população só tem a ganhar com a integração que foi feita.
Comércio - Como o senhor vê os escândalos de vazamentos de dados dentro da Receita Federal que ocorreram durante as eleições do ano passado. Os dados armazenados pela Receita estão seguros?
Grandizoli - Eu acho que qualquer conduta de desvio, como essa que aconteceu na época das eleições em que uma servidora é suspeita de vender a declaração de imposto de terceiros deve ser punida severamente. Não há dúvida quanto a isso. A Receita pune exemplarmente os servidores que tenham uma conduta como essa. Infelizmente, no momento político que estávamos vivendo, esse assunto passou a ser abordado de forma que as pessoas passaram a exigir determinadas condutas da Receita que não podiam ser adotadas por causa das garantias constitucionais da pessoa. Sempre é preciso apurar, comprovar o desvio de conduta, respeitando todo o processo legal, e, então, se comprovado o desvirtuamento, fazer a punição. Foi colocado que a Receita Federal estava patrocinando isso com interesse político. Eu estou na Receita há 10 anos e essa questão de apadrinhamento político eu desconheço totalmente. Aqui trabalhamos honestamente. Tudo o que fazemos é controlado. Se eu acessar qualquer dado, isso fica registrado. Mas, como em outros órgãos e empresas, lidamos com pessoas e as pessoas às vezes podem ter condutas que não são dignas. Quando isso ocorre, eu garanto que há punições por parte da Receita.
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