Pensamentos esparsos


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Eles vêm assim, sem mais nem menos, quando nada se espera. Às vezes são pensamentos tão interessantes que dá vontade de escrevê-los para nunca mais esquecer. Só que surge um detalhe: quando os temos, nunca existe papel. Quando há o papel, não há caneta nem lápis, exatamente no momento em que o computador está desligado. E se procura e encontra um desses materiais, os pensamentos se embaralham e se esvaem. Perdem-se na fumaça do tempo e desaparecem da memória.

São pensamentos muito diferentes um do outro e nascem não sei de onde, não sei por quê.

De uns tempos para cá resolvi anotá-los sistematicamente. Podem não trazer utilidade alguma, mas servem para refletirmos sobre alguns procedimentos na vida. Por exemplo: seria bom que cada pessoa que apreciasse manter sua biblioteca em casa, adotasse um critério de arrumação dos livros nas estantes por ordem cronológica de leitura, ao longo das estantes; não por assunto ou data da edição, mas na ordem em que foram lidos durante a vida. A partir da esquerda, bem coladinhos, um a um após a leitura desde a meninice, recordações da infância e do tempo do colégio, da juventude e da maturidade, até à velhice, um livro após o outro. A vida inteira de cada um estaria nas prateleiras, períodos de felicidade ou de tristeza, dificuldades ou de opulência, de trabalho ou de lazer. Uma verdadeira biblioteca autobiográfica no seu conjunto. O Primeiro livro que li está bem ali, à esquerda. O último, aqui à direita...

Uma outra anotação, mais curta porém emblemática, que se resolve num processo dialético: tese- Deus existe (e seguem provas); antítese Deus não existe (e seguem outras provas); síntese - o agnosticismo. Pronto, salvas todas as partes envolvidas.

Imagino duas pessoas conversando. Uma delas reclama, reclama dos negócios, do trânsito, do casamento, da vida moderna, da política, do país, da economia, da música sertaneja... A outra, que só estava escutando, resolve falar. E diz: “Nossos antepassados passaram sem açúcar até o século XIII, sem carvão até o século XIV, sem manteiga até o século XVI, sem chá ou sabão até o século XVII, sem gás, fósforos e eletricidade até o século XIX, sem automóveis ou alimentos congelados até o século XX, sem penicilina até o final da segunda guerra mundial, sem TV até então, sem internet e Viagra até há uns dez anos, sem pen drive, celular e shoppings até há poucos anos. Agora, sobre o que é mesmo que você estava reclamando?”

Aí vêm os provérbios. Campo infinito para meditações e transformações. Por exemplo: “Nunca deixes para amanhã o que podes fazer hoje”, mesmo porque se você gostar de fazê-lo, poderá repetir amanhã.

Aos 18 anos nossas convicções são colinas do alto das quais olhamos e planejamos algo; aos 60, são cavernas dentro das quais nos escondemos.

A finalidade o casamento não é pensar igual, mas pensar junto.

E assim vai. Acho até que daria para publicar um livro com essas pequenas divagações. Na verdade, cada uma pode trazer pequena lição moral ou de comportamento para o leitor.

Há o caso do marido que vivia reclamando da esposa. Após quarenta anos de casados, ele pôs na cabeça que o que mais interessava à mulher era dinheiro em casa e sexo na cama. E disse isso assim, na cara, num dia de descontração de palavras.

A mulher se ofendeu profundamente, é claro. Disse que o marido insinuava as exatas medidas e preferências de uma prostituta. Perfeita a comparação. A prostituta sabe, com certa sapiência, extrair do homem sexo e dinheiro, deixando os demais afazeres domésticos para a esposa. Freud explica: a prostituta só quer o dinheiro e o sexo. A esposa interessa-se por trabalho e amor. Dinheiro é consequência do trabalho; sexo do amor.” Bela saída!

E diante dos incompetentes, aqueles que nada fazem e levam fama? Sabe o que tenho a dizer a respeito deles? Que o seu pensamento é simples e verdadeiro: “Aqueles que dizem que determinada coisa não pode ser feita devem ceder lugar para aqueles que estão fazendo.” Mas eles, os incompetentes, pelo cargo hierárquico que ocupam, apenas dizem isto e apontam para quem deve fazer alguma coisa na instituição e se sobressaem como estrategistas maravilhosos. Bravo, não?

Aí vem o fracasso. Vá em frente e fracasse; mas com espírito, com graça, com classe. Um erro medíocre é tão insuportável quanto um sucesso medíocre. Abrace o fracasso. Busque-o. Ame-o. Aprenda a amá-lo. Talvez seja a única maneira de alguém vir a ser livre... E parar de sofrer com o tal de compromisso com o êxito. Thomas Edison, antes de inventar a lâmpada elétrica, teve inúmeros fracassos. Mas Edison sempre respondia aos seus críticos: “não foi mais um fracasso; na verdade, descobri mais uma maneira de não inventar a lâmpada elétrica.” Há muito a ser dito a respeito do fracasso. Ele é mais interessante do que o sucesso. Este é o fim da caminhada; o fracasso é a viagem; e a viagem, convenhamos, é bem mais interessante que a chegada.

Já que citei Freud, lembro-me de ter lido sua biografia. Perguntaram-lhe certa feita o que era um homem comum. Sabiamente, ele teria respondido:

- Um homem comum é aquele que trabalha e ama.

Ah, o poder das palavras!

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