IMPROBIDADE

MP denuncia servidor da Prefeitura de Taubaté que batia ponto e voltava para casa

Servidor foi flagrado batendo o ponto pela manhã, voltando para casa e retornando ao setor apenas no fim do expediente; funcionário, que é pastor, diz ter doença psiquiátrica

Por Julio Codazzi | 24/04/2024 | Tempo de leitura: 5 min
Taubaté

Reprodução

De bermudas, chinelo e meia, Roberto Santos foi flagrado pelo MP em casa, às 10h51 do dia 20 de janeiro de 2023
De bermudas, chinelo e meia, Roberto Santos foi flagrado pelo MP em casa, às 10h51 do dia 20 de janeiro de 2023

O Ministério Público ajuizou uma ação de improbidade administrativa contra um servidor da Prefeitura de Taubaté acusado de fraudar o registro de ponto. Segundo a denúncia, Roberto Ferreira dos Santos, que é funcionário do município desde 1987, registrava o ponto pela manhã, ia embora para casa e retornava apenas no fim da tarde, para registrar o horário do fim do expediente.

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Na ação, que tramita na Vara da Fazenda Pública, a Promotoria pede que o servidor seja condenado à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos por até 14 anos e à devolução das remunerações recebidas entre janeiro de 2023 e abril de 2024, que segundo levantamento da reportagem somaram R$ 124 mil.

Em decisão liminar, a juíza Marcia Beringhs Domingues de Castro já determinou que o intervalo entre janeiro de 2023 e abril de 2024 não seja observado para fins de aposentadoria do servidor, e que a operadora de telefonia armazene os dados das duas linhas em nome do servidor até o fim do processo - o MP pretende requisitar que sejam informados os horários e de onde foram feitas as chamadas telefônicas do funcionário nesse período.

INQUÉRITO.
Após receber uma denúncia anônima no fim de 2022, o MP instaurou inquérito para apurar o caso. Nos dias 20, 24 e 27 de janeiro, com apoio do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo), foram feitas três diligências para verificar se o servidor cumpria o expediente na Prefeitura.

"Nos referidos dias, o demandado Roberto dirigiu-se ao órgão público em que se encontra lotado, no período da manhã, bateu o ponto, retornou para sua residência, e somente na parte da tarde, ao final do expediente, dirigiu-se novamente à Secretaria de Obras, Trânsito e Transportes do Município de Taubaté, a fim de registrar o horário da sua 'saída'. Sendo assim, ele não somente abandonou as funções do seu cargo, mas também fraudou o registro de ponto", concluiu a Promotoria.

Segundo dados do Portal da Transparência da Prefeitura, Roberto é oficial de administração na Secretaria de Obras. Na ação, o MP destaca que a atribuição desse cargo é executar "serviços gerais de escritório, de natureza complexa, para atender rotinas preestabelecidas nas unidades". Durante o inquérito, no entanto, a Prefeitura alegou que em 2015 o servidor teria sido transferido para a função de auxiliar de topografia e que atualmente executaria serviços internos e externos, das 7h às 12h e das 14h às 17h.

Na ação, porém, a Promotoria cita que "os demais agentes públicos lotados no mesmo órgão que o demandado Roberto negaram que ele executava serviços externos", e que além disso "não foi encartado nenhum documento por ele firmado no desempenho da atividade de controle de materiais ou de entrega ou recepção de documentos", que seriam as atividades externas que ele executaria, segundo a Prefeitura.

O MP concluiu que "Roberto praticou dolosamente a conduta de auferir vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, consistente no recebimento de remuneração sem a devida contraprestação", e aponta que o servidor, "uma vez flagrado na prática da conduta infracional, na busca de evitar a perda da função pública", solicitou "que lhe fosse concedida aposentadoria".

PREFEITURA.
Em junho de 2023, em meio ao avanço das investigações do MP, o prefeito José Saud (PP) determinou a abertura de um processo administrativo disciplinar contra o servidor. Na portaria, Saud afirmou "haver fortes indícios de infração" ao Código de Administração do Município, que determina que o funcionário deve "manter conduta compatível com a moralidade administrativa" e "ser assíduo e pontual ao serviço", e que é proibido "ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato".

Também na portaria, o prefeito destacou que o servidor pode ser penalizado com advertência, suspensão ou até demissão - nesse último caso, se ficar caracterizada "improbidade administrativa" ou "lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio municipal".

Embora o prazo para conclusão da apuração interna fosse de 60 dias, a Prefeitura afirmou nessa quarta-feira (24) que o processo ainda "encontra-se em fase de instrução, tramitando junto a Corregedoria Geral do Município", e que "contém dados pessoais e sigilosos".

A Prefeitura não informou se o servidor tem sido assíduo no trabalho desde a abertura do processo administrativo disciplinar, em junho de 2023, ou se está afastado. E também não respondeu que providências o município adotou para garantir que a frequência do funcionário passasse a ser aferida com precisão.

SERVIDOR.
Roberto Ferreira dos Santos tem 59 anos. Na eleição de 2004, chegou a ser candidato a vereador em Taubaté pelo antigo PAN (Partido dos Aposentados da Nação), com o nome de Roberto Galinha, mas não foi eleito.

Roberto, que também é pastor em uma igreja no bairro do Bonfim, disse à reportagem que tem doenças psiquiátricas e neurológicas, que seriam sequelas do uso de drogas em outro período da vida. "Eu sou dependente químico, sou dependente de cocaína", afirmou.

Durante a fase do inquérito, o servidor chegou a alegar ao MP que ficou afastado da Prefeitura em 2020 e 2021, e que nesse período teria sido "acometido por surtos psicóticos, com delírios, agressividade, tristeza e insônia". "Eu estava afastado, quem cortou a minha licença [médica] foi a Prefeitura. Então, voltei a trabalhar, mas sem condições", relatou Roberto à reportagem.

Ao MP, o servidor afirmou que, nos dias em que foi flagrado em casa pelo Gaeco, havia esquecido "de tomar a medicação que faz uso continuamente, e por esse motivo, retornou" para a residência "para medicar-se", e que, "devido ao quadro característico da enfermidade que lhe acomete", "esqueceu de registrar o ponto para sair do trabalho". À reportagem, questionado sobre esses dias, Roberto respondeu: "eu não sei explicar o que aconteceu comigo".

Ao MP, Roberto contrariou a afirmação da Prefeitura e disse que não poderia executar "serviços externos", pois esses são feitos "muitas vezes à beira de rodovias", o que "poderia expor sua vida em perigo, dado a possibilidade de ocorrência de episódios psicóticos".

Roberto afirmou à reportagem que está afastado do trabalho atualmente - ele não soube dizer desde quando - e que, na igreja, a esposa o está substituindo. "Estou afastado da Prefeitura devido à ansiedade. Estou com muito medo, não tenho condições de trabalhar".

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