
Atravessando a maior crise financeira de sua história, o Hospital Maternidade de Campinas, popularmente conhecido apenas como Maternidade, pode encerrar as atividades em no máximo nove meses, caso não haja uma reviravolta que aumente as receitas da instituição.
A informação foi dada com exclusividade à Sampi Campinas pelo presidente da unidade hospitalar, Marcos Miele.
Em recuperação judicial há quase um ano, a instituição filantrópica acumula anos com déficit mensal de cerca de R$ 1 milhão, que resultou em uma dívida estimada em cerca de R$ 100 milhões. Segundo Miele, com o orçamento atual, é possível manter as portas abertas por um período entre seis e nove meses.
A esperança da presidência é de que o reajuste na Tabela SUS, prometida pelo governo estadual em agosto, ajude a controlar as finanças. No entanto, há um temor de que a instituição não seja beneficiada por estar em atraso com os impostos, o que a impossibilita de obter a CND (Certidão Negativa de Débitos), documento exigido para firmar contratos de repasse do poder público a instituições privadas.
Procurada, a Secretaria de Estado de Saúde não informou se o projeto exigirá o documento ou terá outro meio para obtenção do repasse.
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A Maternidade de Campinas é a maior do interior do Brasil em número de partos: 9 mil por ano, que resulta em média de 750 por mês e 25 por dia. A quantidade de partos representa quase a metade de todos os nascimentos da Região Metropolitana de Campinas (RMC). 60% dos atendimentos realizados são pelo SUS.
Nesta quarta-feira, 12, a Maternidade completa 110 anos de operação ininterrupta 24h. Neste período, o hospital foi responsável pelo nascimento de mais de meio milhão de bebês.
ORIGEM DA CRISE
Miele não poupa lamentações pela situação da instituição. “A maternidade está passando por uma crise financeira sem precedentes. Essa situação já era complicada antes da pandemia por conta do baixo repasse, mas o adendo da covid-19 piorou a situação”, diz.
O presidente da Maternidade, Marcos Miele: gestor atribui a momento difícil uma "crise sem precedentes" (Foto: Divulgação)
A Maternidade justifica que o custo de um parto está em torno de R$ 2,5 mil. O Governo Federal remunera o valor de R$ 443,40. A Prefeitura de Campinas repassa o valor do Governo Federal e o complementa, remunerando o hospital com cerca de R$ 1.38 mil - correspondente a duas diárias de enfermaria. Mesmo assim, o custo não é coberto, gerando um déficit de R$ 1,1 mil por parto. Os partos apenas pelo SUS somam uma média de 450 por mês.
Na UTI – Unidade de Terapia Intensiva Neonatal -, o déficit mensal é de cerca de R$ 600 mil. O custo da diária é de, aproximadamente, R$ 3 mil, mas a Maternidade recebe somente o valor de R$ 1,6 mil.
De acordo com o presidente, os gastos são estratosféricos por várias vias e exigidos pela continuidade do hospital com um bom atendimento.
Ele explica que a estrutura hospitalar é complexa e cara por envolver vários setores e classes de profissionais para propiciar atendimento ao paciente com toda segurança, o que inclui serviços de lavanderia especializada, ruparia, higiene qualificada, nutrição e dietética, por exemplo.
Além disso, a unidade tem que dispor dos demais serviços, como manutenção e engenharia predial e clínica.
“Acrescente a esses custos as necessidades de modernização do parque tecnológico e as de adequações às legislações que foram aprovadas posterior à construção do prédio, que ocorreu na década de 1970. A maioria das tecnologias em saúde é norteada por moedas estrangeiras, o que encarece ainda mais a operação hospitalar e as manutenções e substituições necessárias. O hospital precisa se adequar às novas legislações com reformas, mas sem deixar de prestar atendimento”, explica.
Atualmente a Maternidade dispõe de 30 leitos de UTI, dos quais 18 para atendimento de pacientes oriundos do SUS. “Há que mencionar que o governo federal tem um valor de repasse ainda menor em relação aos leitos de UTI Neonatal, que chega a apenas R$ 600,00”, informa a instituição.
Ao longo de muitos anos, a receita da Maternidade foi complementada pela gestão da antiga Estação Rodoviária, que ficava na esquina das avenidas Andrade Neves e Barão de Itapura – onde o hospital funcionou entre 1916 e 1965.
Por fim, a queda no atendimento suplementar – que se refere aos convênios médicos - também é apontada como contribuinte. Miele justifica que a procura pelo hospital caiu bruscamente e que o percentual pré-pandemia ainda não foi atingido.
LUZ NO FIM DO TÚNEL
O presidente reforça que a instituição está “fazendo o que pode para se manter em pé”.
O reajuste no repasse se configura como uma luz no fim do túnel. Segundo a Saúde estadual, o governo vai acrescentar às Santas Casas e hospitais filantrópicos - caso da maternidade – o déficit promovido pelo rapasse do governo federal, aquém do ideal.
Em agosto, durante visita a Campinas, o secretário de Saúde, Eleuses Paiva, chegou a citar o caso da Maternidade como exemplo para ilustrar o projeto. Ele disse: “nós vamos repassar até cinco vezes o valor da Tabela Nacional do SUS, para que além de cobrir os gastos de procedimento, os hospitais possam voltar a investir em estrutura clínica. A expectativa é pela retomada da saúde financeira de hospitais como a Maternidade de Campinas, que presta um importante serviço ao município.
O projeto, batizado de Tabela SUS Paulista, prevê investimento adicional de R$ 2,8 bilhões por ano, verba proveniente do tesouro do Estado. O projeto, no entanto, ainda tramita na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), que precisa autorizar a retirada de recursos dessa ordem do Tesouro. O governo espera que até os repasses comecem já nos primeiros meses de 2024.
HISTÓRIA
Apesar de atravessar delicado momento nos últimos anos, a história da Maternidade se confunde com a história da própria cidade.
A Maternidade nasceu em 12 de outubro de 1913 com a premissa de atender mães carentes. Foi o primeiro hospital de Campinas com condições de oferecer às mulheres o apoio e o cuidado necessários no momento do parto. Quando da sua criação, era definida como “instituição inteiramente de beneficência, destinada a prestar gratuitamente socorro, tratamento e assistência a gestantes e parturientes reconhecidamente pobres”. Era composta por um número ilimitado de sócios.
Os primeiros prédios foram construídos com a ajuda da população, motivada pela vontade de ter uma maternidade de referência na cidade. São 110 anos de portas abertas, 24 horas ininterruptas por dia.
O primeiro prédio funcionou na Avenida Andrade Neves. A decisão de construir uma nova edificação aconteceu em 1950, mas a nova Maternidade, na Avenida Orosimbo Maia, somente foi inaugurada 15 anos depois (em 19 de dezembro de 1965). Desde então, já sofreu várias reformas e ampliações.
A empregada doméstica Patricia Vequisse, de 39 anos, deu à luz a dois de seus três filhos na Maternidade. Ela se recorda que, mesmo pelo SUS, o atendimento do hospital era referência.
“Meu filho que agora está com 14 anos, portanto nascido em 2009, veio ao mundo com toda a estrutura necessária, ofertada por hospital que atende via SUS. Havia problemas, que considero mais comportamentais, de alguns profissionais, mas foi um processo tranquilo (dos partos)”, relembra Patricia.
No começo do ano, a Maternidade sofreu um surto de gastroenterite e teve parte dos leitos interditado pelo Devisa (Departamento de Vigilância em Saúde) de Campinas. Dois bebês faleceram pela enfermidade.
Com o sonho de se recuperar da crise, o hospital apela por ajuda do poder público e de empresas.
Além da maternidade, oferecem os serviços de ginecologia obstetrícia - responsável pelos partos- os hospitais da PUC-Campinas e CAISM (Hospital da Mulher da Unicamp).
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Teresinha 16/10/2023Foram ouvidos os Deputados Federais d Estaduais de Campinas?