OPINIÃO

Congresso em xeque: a semana que escancarou o abismo

Por Guto Calazans | O autor é publicitário e jornalista, Marketing de Varejo pelo IESB, MBA em Marketing Político e Pesquisa pela ESAB Pós Graduação em Estratégias Competitivas: Comunicação, Inovação e Liderança pela Unesp/Faac
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A duas últimas semanas políticas em Brasília expuseram, mais uma vez, o distanciamento entre o Congresso Nacional e a sociedade que deveria representar. Em dois movimentos consecutivos - a votação que livrou a deputada Carla Zambelli da cassação e a decisão da Câmara que “liberou” a chamada Espanhola, mesmo presa na Itália, o Parlamento brasileiro ofereceu ao país um retrato cru de seus próprios vícios.

Os números que mantiveram Zambelli no cargo

Para não ser cassada, a parlamentar precisava de 208 votos contrários ao relatório que pedia a perda de seu mandato. Conseguiu mais do que precisava: foram 270 votos a favor de sua absolvição, um placar folgado que impediu qualquer punição política. O caso, que já provocava divisões internas, consolidou-se como mais um episódio em que a força corporativista dos deputados falou mais alto que o senso de responsabilidade pública.

Chamou atenção a decisão da Câmara sobre a Deputada Carla Zambele que permanece presa na Itália. Ela responde naquele país por crimes de falsificação de documentos e fraude internacional, processo conduzido pela Justiça italiana e sem previsão de retorno. Ainda assim, no Brasil, sua situação foi tratada como se estivesse apenas distante por motivos fortuitos. A Casa decidiu garantir-lhe as prerrogativas parlamentares e rejeitar qualquer medida mais dura, mesmo com a parlamentar detida em outro continente.

Para muitos brasileiros, a sensação é de déjà-vu. Há poucos meses o país assistiu ao trâmite da apelidada “PEC da bandidagem”  uma proposta que buscava dificultar punições judiciais a parlamentares, ampliando proteções e travas para processos criminais e abrindo brechas para que políticos condenados pudessem evitar punição ou manter mandatos. À época, o debate já mostrava uma Câmara voltada para autopreservação, em detrimento de avanços institucionais.

O que se viu agora reforça essa lógica. No Brasil de 2025, a equação é simples: se o acusado é um aliado político mesmo preso, mesmo investigado, mesmo em outro país  não há cassação, não há corte de salários, não há suspensão de benefícios. Mantém-se gabinete, assessores, carro oficial, auxílio-moradia. Mantém-se tudo. O Congresso funciona como um balcão onde a sobrevivência corporativa tem mais peso que qualquer princípio republicano.

Uma maioria que não representa força, mas autodefesa

O placar de 270 votos não revela poder político  revela medo. Deputados votam protegendo a si próprios, antevendo a possibilidade de, um dia, estarem na mesma situação. Por ignorância jurídica, incompetência institucional ou estratégia para agradar nichos desinformados, eles votaram uma medida que, na prática, não teria qualquer efeito real no processo da Espanhola na Itália, já que o Brasil não tem jurisdição para interferir na Justiça italiana e não pode determinar a libertação de alguém preso em outro país. Foi um gesto vazio, simbólico, meramente político  mas carregado de mensagens perigosas.

E diante disso surge a pergunta inevitável: como pacificar um país que naturaliza privilégios tão gritantes?

Como buscar unidade nacional quando a lei de Gerson  aquela lógica de “levar vantagem em tudo”  volta ao centro da vida pública como se fosse virtude?

2026: eleições, dinheiro e manutenção do ciclo

O próximo ano será eleitoral. Partidos que hoje concentram enormes fatias do fundo eleitoral e partidário vão despejar recursos milionários para manter ou ampliar suas bancadas na Câmara. E, se nada mudar, veremos novamente deputados sendo eleitos para repetir a mesma lógica: votar para proteger aliados, blindar investigados e, quando necessário, liberar até quem está preso em outro país.

O Brasil merece mais do que isso. Mas, por enquanto, é isso que o Congresso tem escolhido entregar.

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