A Consultoria Jurídica da Câmara Municipal de Bauru emitiu parecer técnico apontando problemas de constitucionalidade e inconsistências legais no Projeto de Lei enviado pela prefeita Suéllen Rosim (PSD) que autoriza a celebração de uma Parceria Público-Privada (PPP) para os serviços de manejo de resíduos sólidos e limpeza urbana — modelo que inclui o pagamento de tarifa pelos munícipes.
O documento, assinado pelo procurador legislativo Renato Chinali Canarim, analisa o conteúdo jurídico da proposta, bem como os materiais anexados pelas secretarias municipais às comissões permanentes. Segundo o parecer, embora o município tenha competência para legislar e firmar PPPs, o texto apresenta pontos de “inconstitucionalidade material” e mistura indevidamente características de dois tipos distintos de concessão previstos na Lei Federal nº 11.079/2004.
O principal questionamento diz respeito ao artigo 10 do projeto, que autoriza o município a instituir uma tarifa para compor a remuneração da concessionária. O parecer afirma que, apesar de a PPP ser proposta na modalidade concessão administrativa — quando a Administração Pública é a usuária direta dos serviços —, o texto vincula essa modalidade ao uso de uma tarifa paga pelo cidadão, característica típica de concessão patrocinada.
A Procuradoria alerta que a junção de elementos das duas modalidades cria um modelo “híbrido”, não previsto em lei e juridicamente inviável: “A instituição de tarifa como mecanismo de remuneração de uma concessão administrativa gera o risco de se entender que se trabalha, em verdade, com um terceiro tipo de parceria público-privada, inexistente no regramento geral, e que, por consequência, não seria juridicamente admissível.”
O parecer lembra que tarifas são receitas de natureza contratual, cobradas diretamente do usuário do serviço em concessões comuns ou patrocinadas. Já na concessão administrativa, o pagamento é integralmente feito pelo ente público, e não pelo munícipe. O próprio parecer da Procuradoria-Geral do Município, que acompanha o projeto, já havia recomendado revisão do texto por problemática semelhante.
Outro ponto considerado inconstitucional é o artigo 15 do projeto, que autoriza o Executivo a “praticar todos os atos necessários” à execução da lei. Para a Consultoria Jurídica, a redação amplia excessivamente os poderes do Executivo e viola o princípio da separação entre os poderes: “Uma ‘carta em branco’ ao Poder Executivo para efetivar tudo o quanto seja necessário, por autorização legislativa, viola o princípio dos freios e contrapesos.”
Prazo da concessão pode exigir autorização legislativa específica
Embora o projeto estabeleça que a PPP deverá ter duração entre 5 e 35 anos, conforme exige a legislação federal, o parecer lembra que prorrogações contratuais futuras só podem ocorrer com nova autorização da Câmara, o que não está claro no texto. Cobrança de tarifa é permitida, mas não da forma proposta
O parecer reconhece que a Lei Federal nº 14.026/2020 — o novo marco do saneamento — exige que municípios instituam tarifa ou taxa para os serviços de resíduos sólidos. No entanto, reforça que, quando utilizada tarifa, ela deve ser cobrada pela concessionária diretamente do usuário, e não instituída pelo poder público para repassar ao parceiro privado, como prevê o PL: “Não parece juridicamente adequada a instituição de uma terceira via: a instituição de tarifa pelo Poder Público, cobrando-a do particular, para, então, remunerar o concessionário.”
O que está regular no projeto
Apesar das críticas, o parecer afirma que diversos itens estão em conformidade com a legislação federal, entre eles: regras de fiscalização; cláusulas sobre manutenção do equilíbrio econômico-financeiro; possibilidade de receitas acessórias pela concessionária; parâmetros gerais da PPP conforme a Lei nº 11.079/2004.