Violências cotidianas, silenciosas, silenciadas
No feriado da semana passada assisti algumas séries e filmes que foram lançados recentemente: Tremembé, Meu Airton por Adriane Galisteu, Ângela Diniz: Assassinada e Condenada, Um tanto familiar, O Agente Secreto. O que me chama a atenção quando penso na condição das mulheres é o olhar da sociedade com relação ao que elas podem ou não, ao que elas devem ou não.
A sociedade em que vivemos ainda não está preparada para pessoas que não se enquadram no script social, e qualquer deslize julgado pelo olhar de um ou uma machista acaba por deixá-las à deriva e sem direito de poder ser quem desejam, sem o condão de voz quando lutam pela igualdade de direitos prescritos em lei.
Uma mulher quando casa, engravida, passa pelo parto, amamentação, ainda precisa conciliar o trabalho fora e dentro de casa. Um homem ao se casar chega cru, não sabendo dividir tarefas domésticas e os cuidados dos filhos.
Num mundo onde as mulheres continuam sem voz, onde estão os homens que um dia se comprometeram com elas? Somem, criam outras famílias, deixam de dar pensão, despejam, não partilham cuidados e bens, desligam seus celulares, tornam-se alheios, desrespeitam e difamam suas antigas parceiras.
No dia 25 de novembro a campanha “Você não está sozinha” estampa feminicídios que traduzem dor e agressão, sobretudo omissão diante de uma cultura que subjuga o poder do lado dos mais fortes em relação a quem está oprimida.
Além do assassinato de mulheres ou jovens motivados por violência doméstica ou menosprezo e discriminação à condição de mulher, existem também as mortes silenciosas porque elas não puderam dizer o que pensam, e foram silenciadas pelo machismo de homens e mulheres numa cultura que despreza o direito diante do dever de cada um.
Se uma mulher decide seja lá o que for, quando não coincide com o esperado para a sociedade machista, predicados são destilados e, enquanto atributo de um juízo sem razão, até algumas mulheres defendem seus “maridos”.
É muito comum escutarmos frases como “...ela não sabe o que está dizendo, calma belezinha, você está nervosa, ela é de outra classe social, rampeira, casou para dar o golpe do baú, nunca deveria ter se divorciado, teria que aguentar o tranco da agressividade física, moral ou social em silêncio e sem reclamar, porque não aceita as imposições? atrevida por sair das normas, se “amasse” aceitaria as condições, não comeu, não dormiu? então está tudo pago… enfim, são tantas as mulheres que permanecem silenciadas tentando de alguma maneira encontrar uma sociedade que possa ouvi-las e apoiá-las.
Os números só aumentam em estatísticas que exibem a violência e, no “Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher”, 25 de novembro, são os homens de bem que deveriam levantar essa bandeira junto a todas que, de alguma maneira, esperam um lugar onde possam contar suas histórias a partir do lado delas, sem recortes, e não por alguém que ainda segue machista em pele de cordeiro com um brasão que o resguarda, amparado pelos “amigos” que compartilham segredos e favores ilícitos.
A violência vai dos atos mais sutis a um extremo ato agressivo: na falta de olhar com respeito e consideração, muitas vezes com chacotas ou predicativos, até uma agressividade extrema que vitimiza 4 mulheres a cada dia.
Enquanto não nos unirmos para proteger a voz das mulheres sofridas por algum tipo de violência, os números só apontarão um disparate social que revela o quanto a causa ainda não é sentida pela coletividade.
Os homens precisam ser feministas, entendendo o conceito como luta de uma sociedade que desde os tempos primórdios tentavam se fazer entender.
Quando vejo alguém dizer que detesta o feminismo, prefiro entender que a pessoa desconhece o conceito em sua etimologia.
Por pior que pareça para alguns, o feminismo como movimento político social e filosófico só quer ter voz, e busca a igualdade de direitos e oportunidades entre todos os gêneros, combatendo a dominação e a discriminação contra as mulheres. Ele não defende a superioridade feminina, mas sim a eliminação das desigualdades baseadas no gênero, sendo um movimento que evoluiu através de diferentes correntes teóricas enquanto aborda questões como disparidade salarial, direitos reprodutivos, representação política e necessidade de desconstruir padrões patriarcais.
Não é um movimento das mulheres, é pelas mulheres e por isto, deveria estar no rol de luta de todos, homens e mulheres porque, onde todos levantam a bandeira da paz, da espiritualidade, dos filhos, da democracia, da mansidão, lutar pela igualdade de todos é um imperativo.
O pior sentimento para uma mulher é quando ela tenta conversar com um homem a respeito de suas atitudes e comportamento diário que a machuca e que confronta com as “verdades” que ele prega e, em vez dele escutá-la, ele faz chacotas fazendo-a pensar que ela que é o problema, desestabilizada. Num ambiente familiar, este comportamento pode fazer com que os filhos sejam os futuros “senhores” que dizimam a genitora e sua continuidade, afinal, como continuar com o legado que vem disfarçado de estórias inventadas por eles mesmos? Enquanto as séries e filmes citados acima proporcionam reflexão, eles servem para nos questionarmos com relação ao futuro que devemos mirar quando, homens e mulheres forem capazes de se unir para construir uma sociedade mais justa e humana para ambos, para todas as configurações familiares, com respeito e admiração.
Pelas mulheres que sofrem ou sofreram algum tipo de violência, exclusão, às vezes caladas ou silenciadas, anuladas e invisíveis, chamadas de esquisitas ou excêntricas, que viveram ou vivem numa sociedade que ainda não tem espaço para todos poderem ser quem quiserem.
Música “Burguesinha”, com Seu Jorge.