INQUÉRITO CIVIL

MP investiga Acaê de Bauru por denúncias de irregularidade

da Redação
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Uma das unidades da Acaê, no Parque Roosevelt, em Bauru
Uma das unidades da Acaê, no Parque Roosevelt, em Bauru

O Ministério Público (MP) instaurou um inquérito civil para apurar possíveis irregularidades no serviço de convivência e fortalecimento de vínculos prestado pela Associação Comunidade em Ação Êxodo (Acaê), entidade social conveniada à Prefeitura de Bauru. A decisão foi tomada após análises técnicas, visitas de fiscalização e denúncias que sugerem problemas na execução dos serviços, possíveis desvios de recursos e ainda a falta de transparência. O MP investiga também falhas de monitoramento por parte da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), responsável pela supervisão direta das atividades.

Acionada, a Secretaria informa que foi instaurado expediente junto à Controladoria-Geral do Município para a apuração rigorosa dos fatos. Já a Acaê diz em nota que não comentará publicamente aspectos específicos enquanto o procedimento estiver em andamento no MP, em respeito ao devido processo legal. Porém, cita no texto que os repasses per capita destinados à execução dos serviços e programas socioassistenciais apresentam defasagem histórica, o que afeta a capacidade estrutural de todas as organizações da sociedade civil que atuam na área.

"Ainda assim, a entidade vem mantendo suas atividades com regularidade, complementando suas ações por meio de parcerias, doações e iniciativas próprias, sempre comunicando formalmente ao órgão gestor eventuais necessidades ou limitações identificadas ao longo da execução dos serviços", consta do texto (leia mais nesta página).

A baixa qualidade na oferta dos serviços é apontada pela Promotoria, conforme documentos aos quais a reportagem teve acesso. O MP também recebeu denúncia anônima de desvio de recursos públicos.

Uma das principais falhas destacadas e considerada grave refere-se à prestação de contas apresentada pela entidade. Os documentos enviados ao município e à Promotoria apontam cumprimento integral das metas de atendimento, mas as visitas técnicas mostraram que a realidade é outra, ou seja, o número de usuários frequentando as atividades é muito inferior ao apresentado oficialmente.

ALIMENTAÇÃO

Entre os elementos que chamam a atenção estão os relatos sobre a alimentação oferecida aos participantes dos dois projetos. Um é denominado Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) e outro de Programa de Estímulo ao Primeiro Emprego (Pepe).

Depoimentos e registros técnicos informam que crianças, adolescentes e idosos recebiam refeições sem proteínas, compostas majoritariamente por carboidratos ou alimentos ultraprocessados, enquanto funcionários e equipe de coordenação consumiam pratos com carnes e alimentação mais completa.

Em um dos episódios documentados, uma criança recebeu uma refeição que continha uma barata dentro do prato. A Vigilância Sanitária também encontrou alimentos vencidos durante uma vistoria realizada na unidade. Há ainda denúncia de que alimentos doados por meio do programa Mesa Brasil estariam sendo desviados por funcionários.

DUAS UNIDADES

O inquérito também reúne relatórios da Secretaria de Aprovação de Projetos (antiga Seplan) e do Corpo de Bombeiros, que confirmam uma série de problemas estruturais nas unidades mantidas pela Acaê. A localizada no Parque Jaraguá, a Acaê Beta, não possui alvará de funcionamento, e ambas as unidades (Alfa e Beta) não têm atestado de acessibilidade, requisito mínimo para instituições que atendem público vulnerável, incluindo idosos. A pasta apontou também banheiros usados como depósito, espaços insuficientes para atividades simultâneas e falta de condições adequadas para comportar turmas distintas. O Corpo de Bombeiros, em vistoria realizada em abril, listou diversas irregularidades relacionadas à prevenção e combate a incêndios e concedeu prazo para regularização.

FALTA DE MATERIAIS

O MP constatou ainda que a qualidade dos serviços prestados é considerada baixa ou muito baixa. Os profissionais relataram atividades repetitivas, ausência de planejamento pedagógico consistente, falta de articulação com os Centros de Referência em Assistência Social (Cras), responsáveis pelo território e ausência de prontuários adequados. Não havia comprovação de busca ativa, embora a entidade alegasse altas taxas de frequência.

Os técnicos também relataram escassez de materiais básicos para atividades educativas e recreativas. Uma coordenadora teria informado dificuldade até mesmo para obter gêneros alimentícios.

DIRETORIA

A portaria do MP menciona ainda denúncias sobre a baixa participação da diretoria da entidade no acompanhamento das atividades e suspeitas de desvio. Os relatos apontam que os membros da direção compareciam pouco às unidades, delegando a gestão diária a funcionários sem autonomia para compras, planejamento ou resolução de problemas.

FALTA DE FISCALIZAÇÃO

Um dos pontos centrais da investigação é a atuação da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS). Para o MP, a fiscalização do município foi insuficiente, permitindo que os problemas se prolongassem sem as devidas correções. Embora a SMAS tenha realizado visitas e emitido relatórios esporádicos, o Ministério Público afirma que as respostas da secretaria foram genéricas.

Ao analisar a documentação enviada pela Prefeitura, o MP concluiu que o município não respondeu adequadamente sobre: discrepância no número de atendidos; alimentação sem proteína e inseto no prato; unidades sem alvará e sem acessibilidade; denúncias de desvio e falhas na prestação de contas; baixa qualidade das atividades; ausência de materiais; presença irregular de duas trabalhadoras vinculadas aos serviços.

NOVAS COBRANÇAS

Diante da gravidade dos fatos, o Ministério Público enviou cópia integral do caso ao Tribunal de Contas do Estado (TCE). O MP também determinou que a Prefeitura e a direção da Acaê apresentem novas informações detalhadas, incluindo contratos, planos de trabalho, medidas de correção adotadas e ações previstas para sanar as irregularidades. O inquérito segue em andamento.

Apontamentos do MP estão sob análise, diz a prefeitura

Os apontamentos encaminhados pelo Ministério Público (MP) estão em análise técnica pelas equipes competentes, que seguirão todos os trâmites legais e administrativos necessários para a verificação das informações e, se for o caso, a adoção das medidas cabíveis, informou a prefeitura, por meio da assessoria de imprensa.

"A Secretaria de Assistência Social reafirma o seu compromisso com a transparência, a legalidade e a correta aplicação dos recursos públicos, assegurando que todas as etapas do processo serão conduzidas de forma responsável e imparcial", consta da nota.

Entidade informa prestar esclarecimentos às instituições

A Acaê informou por nota que todas as questões relacionadas ao procedimento em andamento vêm sendo tratadas diretamente e de forma contínua com o Ministério Público e com a Secretaria Municipal de Assistência Social desde o início das apurações. Destaca ainda que a entidade tern prestado integral colaboração, apresentando documentos, esclarecimentos e relatórios nos canais oficiais, sempre com total respeito às instituições envolvidas.

"A Acaê reafirma sua absoluta transparência e seu compromisso com a legalidade e a boa gestão pública e comunitária. Ao longo de quase 20 anos de atuação ininterrupta na assistência social, a associação sempre manteve postura ética, responsável e esteve de portas abertas para os órgãos de controle públicos, para as famílias e para a sociedade em geral. Todas as rotinas, notificações e orientações recebidas estão sendo atendidas com acompanhamento técnico e jurídico. A associaçäo reafirma sua integridade institucional, seu compromisso com a transparência e seu permanente esforço para aprimorar seus serviços e procedimentos junto a sociedade bauruense", finaliza o texto.

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