COLUNISTA

É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida eterna

Por Dom Caetano Ferrari |
| Tempo de leitura: 4 min
Bispo Emérito de Bauru

A primeira ideia de utilização desse pensamento é pragmática, relacionada à questão vital do esforço, da luta que toda pessoa deve travar na sua vida para ganhar o pão de cada dia e realizar-se na profissão, na família, na sociedade etc. Ninguém pode dizer que pensar assim esteja errado. No entanto, o pensamento em epígrafe é tirado do Evangelho da santa Missa deste domingo - Lc 21,5-19 - e saiu da boca de Jesus. Jesus, porém, está se referindo a outro tipo de vida, que deve ser ganha, conquistada, com coragem e resistência: a vida do Reino de Deus, com a sua justiça e caridade. Entenda-se tanto na construção de um novo mundo no aqui e agora, quanto na conquista da salvação e da vida nova que há de vir, na perspectiva da parusia e da escatologia do fim dos tempos quando da realização plena do Reino de Deus.

Como está chegando o fim de mais um ano, a Liturgia chama a nossa atenção para a realidade de que a vida passa, não obstante que, segundo cremos, a vida não termine, mas se transforme. Tendo em vista este processo é absolutamente importante perseverar até o fim na fé e na prática das boas obras de misericórdia. Jesus fala que a vida do cristão é uma luta constante. Ele pede discernimento dos sinais paradoxais já visíveis na história e coragem para suportar todo tipo de provação da perseguição, violência e até morte e todo tipo de tentação da traição da fé pela atração de seguir falsos messias anunciadores da iminência do fim do mundo. Ele diz, inclusive, que os cristãos serão odiados e perseguidos por causa do seu nome, até mesmo por seus próprios pais, irmãos, parentes e amigos. No trecho evangélico de hoje, Jesus arremata a sua fala com palavras de encorajamento, dizendo: "Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça. É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida". Como sabemos, a vida plena com Deus. Na primeira leitura - Malaquias 3, 19-20 - o profeta diz que no dia do juízo haverá para os ímpios a condenação com o fogo, mas para os justos o sol da justiça se levantará para eles, e todos saberão que estes são os verdadeiros vencedores. Na segunda leitura - 2Tessalonicenses 3,7-12 - São Paulo diz que a vida é trabalhosa para ganharmos o pão de cada dia. "Pois quem não quer trabalhar, também não coma". Ironicamente ele chama a atenção para o que ouviu dizer que alguns dentre eles levavam uma vida à toa, muito atarefados sem nada fazer. E recomenda que todos trabalhem com tranquilidade a fim de ganhar o pão com o próprio esforço. "Firmes para ganhar a vida" é um bom princípio para ajudar-nos na preparação para o Natal e o Ano Novo que se aproximam, e um bom lema para guiar-nos pela vida afora, uma vida que em nós nunca termina, mas se transforma na medida em que caminhamos ano a ano rumo à pátria celeste. Também para não recebermos em vão a graça de Deus que sempre nos concede.

O filósofo Pascal dizia ter mil razões para não crer e mil para crer. Mas dizia já ter feito a sua opção: "eu creio". Nós bem sabemos que a fé não é um certeza matemática, clara como a luz do dia. A fé é resultado do amor, vem da graça, é dom de Deus. À razão se responde com a razão. Qual é a soma de dois mais dois? Quatro é a resposta certa. Contudo, ao amor só se responde com o amor. Ter fé é amar, porque só temos fé em quem amamos. O filósofo existencialista Gabriel Marcel, que se converteu ao catolicismo na maturidade, compreendeu bem isso e dizia que Deus não é como um objeto, como um ausente do qual se fala como se fala de uma terceira pessoa, de um ele, de um outro, de alguém. Deus, porém, é presença absoluta com quem só se pode falar como se fala na intimidade de um tu, portanto na comunhão de uma vida de amor: "A religião começa quando eu transformo um ele num tu". Não é um falar sobre Deus, mas com Deus. Santa Tereza de Jesus dizia: Rezar é um diálogo entre duas pessoas que se amam, eu falo com Deus ele fala comigo.

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