OPINIÃO

Reforma administrativa não assusta quem já é guardião permanente

Por Rosa Malena Pignatari | Jornalista de formação pela Unesp-Bauru, Mestre em Comunicação Midiática
| Tempo de leitura: 3 min

A reforma administrativa discutida pelo Congresso Nacional traz questões profundas sobre o desempenho e a valorização do servidor público. Entre as propostas, está o limite de 5% para o total de cargos comissionados nos âmbitos municipal, estadual e federal, além da exigência de que 50% dessas funções de confiança sejam ocupadas por servidores concursados. O espírito da reforma, quando bem interpretado, não é o de desvalorizar o servidor, mas sim de proteger a estrutura pública de abusos, clientelismo e desperdício de recursos.

“A função pública é exercida em nome do Estado e em benefício da coletividade.  O servidor não é servo de governantes, mas executor de deveres institucionais permanentes”, ensinou Celso Antônio Bandeira de Melo, um dos mais importantes juristas brasileiros, referência central no Direito Administrativo e conhecido por uma visão republicana e ética da Administração Pública. Para ele, “a função pública é dever, não privilégio; é serviço, não favor”.

Compreender pedagogicamente que o servidor é um agente do Estado e não de um único governo temporário e de um único agente político passageiro é tocar num dos problemas nevrálgicos da gestão pública brasileira. Isso porque em muitos municípios, o que deveria ser continuidade administrativa e compromisso institucional transforma-se em subordinação pessoal e política. Essa confusão entre o público e o privado, entre a coisa do Estado e o desejo do governante, mina a ética do serviço público e enfraquece as instituições.

Do ponto de vista formativo, essa compreensão deve ser também pedagógica: é preciso educar para a cidadania dentro da própria administração.

O servidor público, especialmente na educação, aprende e ensina todos os dias que a escola, o hospital, o posto de saúde, o teatro municipal, a prefeitura Municipal e demais instituições pertencem ao povo, não a um partido ou gestão específica. Os serviços e ações são mantidas com recursos públicos e existe para atender às necessidades coletivas: saúde, educação, infraestrutura, cultura, proteção social, meio ambiente etc. O governo pode mudar; a prefeitura, não. O prefeito e seus secretários são administradores transitórios de um bem público duradouro.

Nesse contexto, ser guardião do permanente é, portanto, um ato pedagógico, ético, social e republicano: significa sustentar os princípios que não mudam conforme a coloração político-partidária, mas permanecem como pilares do Estado Democrático de Direito. Significa compreender que ser guardião do permanente é ser sobretudo um agente de transformação sociocultural.

Para Anísio Teixeira, “a escola pública é a mais alta expressão da democracia, porque é a presença do Estado na vida de cada criança. Demerval Saviani suplementa: “Educar é, antes de tudo, um ato político: é decidir em favor de um projeto de sociedade.” E esse projeto de sociedade perpassa o amadurecimento político de gabinetes e de gestores temporários que insistem em tratar cargos de confiança como moeda de troca, preenchendo funções técnicas com pessoas sem preparo adequado, escolhidas por afinidade pessoal ou conveniência política, e não por competência funcional, humana e técnica. Só a consciência de que o público perpassa o campo do sagrado – porque pertence ao povo –   pode resguardar o que é permanente.

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