A proposta da Prefeitura de Bauru de conceder à iniciativa privada a coleta e a destinação do lixo reacendeu, nesta semana, uma das discussões mais sensíveis da política urbana: quem paga, quanto paga e por quê.
Enviado semana passada à Câmara Municipal pela prefeita Suéllen Rosim (PSD), o Projeto de Lei (PL) autoriza a celebração de uma parceria público-privada (PPP) para a gestão dos resíduos sólidos (lixo orgânico e seletivo) e da limpeza urbana da cidade. O contrato previsto é de R$ 4,8 bilhões por 30 anos.
Mas o que mais chamou a atenção de vereadores e entidades durante a reunião pública realizada pela Comissão de Justiça do Legislativo nesta terça-feira (11) foi o desenho da nova tarifa do lixo, que será cobrada junto à conta de água do DAE e terá o valor dobrado entre a primeira e a segunda fase de operação.
Segundo a apresentação feita pela secretária municipal de Meio Ambiente, Cilene Chabuh Bordezan, a cobrança será implementada gradualmente:
• na fase inicial (50%), a tarifa variará de R$ 1,12 a R$ 1,34 por metro cúbico de água consumida pelo domicílio;
• na fase plena (100%), o valor subirá para R$ 2,24 a R$ 2,68/m³.
A arrecadação será feita pelo DAE, mas o repasse à concessionária ficará sob responsabilidade da Prefeitura.
Custo dobra antes da percepção
A justificativa oficial é de que a cobrança está vinculada à modernização do sistema de limpeza urbana, com instalação de contêineres, mecanização da triagem de recicláveis e implantação de compostagem. O discurso de sustentabilidade, no entanto, vem acompanhado de um aumento de 100% na tarifa antes que qualquer melhoria seja percebida pela população.
Pelos cálculos preliminares, o município desembolsará R$ 119 milhões anuais no primeiro ano do contrato — R$ 90 milhões para manejo de resíduos e R$ 29 milhões para limpeza pública. Parte desse custo será transferido diretamente aos consumidores, em um modelo que vincula o preço do lixo ao consumo de água.
Especialistas em gestão urbana ouvidos informalmente apontam que essa vinculação pode gerar distorções: imóveis com maior consumo hídrico — como famílias numerosas, pequenos comércios e condomínios — podem arcar com tarifas desproporcionais à quantidade real de resíduos produzidos
Dúvidas e críticas no Legislativo
Durante a reunião, vereadores de diferentes partidos cobraram da Prefeitura de Bauru mais transparência nos estudos econômicos e jurídicos que embasaram o valor da tarifa e o modelo da concessão.
O vereador Mané Losila (MDB), presidente da Comissão, pediu o envio de documentos detalhando as análises de viabilidade financeira e o equilíbrio econômico do contrato. Segundo ele, há lacunas e incoerências no texto enviado pelo governo.
“É um projeto de impacto bilionário, que vai comprometer gerações de bauruenses. Precisamos garantir clareza e segurança jurídica antes de aprovar qualquer autorização desse porte”, afirmou Losila.
Outros parlamentares questionaram o momento da proposta, já que a cidade atravessa debates sobre outras concessões e parcerias — e a implantação de uma nova tarifa, de cobrança compulsória, pode enfrentar resistência social.
Entre promessas e riscos
A secretária Cilene Bordezan defendeu que a PPP é “essencial para alinhar Bauru ao Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares) e à Lei Federal nº 12.305/2010”, e destacou investimentos prometidos: contêineres de rua, triagem mecanizada, compostagem e um aporte de R$ 96 milhões para apoiar cooperativas de catadores.
Ela também garantiu que os trabalhadores da Emdurb que hoje atuam na coleta terão 12 meses de estabilidade e serão absorvidos pela nova concessionária, que assumirá as obrigações trabalhistas.
Apesar das promessas, o histórico de concessões no país mostra que nem sempre a transferência de serviços ao setor privado resulta em melhoria efetiva — especialmente quando a tarifa é criada para cobrir custos operacionais e contratuais de longo prazo.
Tarifa ou imposto?
A criação de uma “tarifa do lixo” vinculada ao consumo de água não é inédita no Brasil. Cidades como São Paulo, Curitiba e Belo Horizonte já adotaram mecanismos semelhantes, com diferentes graus de aceitação. A questão central, porém, é se a cobrança representa um serviço mensurável ou um novo tributo disfarçado.
Em Bauru, a justificativa é ambiental e operacional: segundo a Prefeitura, a cobrança individualizada estimula a redução do desperdício e garante recursos para a destinação adequada do lixo. Mas críticos argumentam que o modelo pode onerar duplamente o contribuinte, já que o serviço de limpeza urbana já é custeado, em parte, pelo orçamento municipal.
Projeto que divide opiniões
O “Bauru Sustentável”, como foi batizado o programa da Prefeitura, busca associar a concessão a um discurso de modernização e eficiência. No entanto, a duplicação da tarifa e a duração do contrato de 30 anos levantam questionamentos sobre a sustentabilidade financeira da proposta e sobre quem de fato se beneficiará do novo modelo.
Enquanto o governo municipal defende a medida como avanço ambiental e de gestão, vereadores e entidades da sociedade civil cobram debate público mais profundo, simulações de impacto tarifário e transparência contratual, receosos com o impacto social e a própria eficiência do sistema.
A decisão sobre a concessão ainda depende da análise das comissões da Câmara. Mas, antes mesmo de ser votado, o projeto já cumpre um papel importante: coloca no centro do debate o preço da sustentabilidade e o limite da capacidade de pagamento da população.