OPINIÃO

As consequências vêm sempre depois

Por Luiz Henrique Herrera | O autor é colaborador de opinião
| Tempo de leitura: 2 min

Políticos deveriam ser filósofos — afirmara Aristóteles em sua obra “Política”. Sejamos realistas. Fiquemos com a literatura. Que sejam, pelo menos, literatos! Conhecedores da literatura! (Isso já seria uma esperança para a valorização das Secretarias de Cultura de uma cidade, diga-se de passagem).

Eça de Queiroz! Fiquemos com ele! “O Primo Basílio” (1878) e seu personagem, Conselheiro Acácio. Esse sabia das coisas! - “As consequências vêm sempre depois", dizia em tom sentencial e profético!

Essa máxima ressoa hoje com a perene atualidade de qualquer clássico da literatura, ganhando particular intensidade no cenário que se apresenta à política em uma cidade.

A democracia funda-se na confiança mútua. Contudo, o cenário político atual revela um abismo: a lacuna entre promessas eleitorais e ações pós-eleição.

Enquanto se debate a "fidelidade partidária", a fidelidade programática — a coerência entre o plano de governo e a atuação do eleito — é perigosamente relegada. Ela é a essência do pacto com o eleitorado, que deposita seu voto em uma visão de futuro expressa por um programa.

Pensemos no candidato que promete não privatizar serviços e, eleito, faz o oposto. Isso não é mera reavaliação; é quebra unilateral do pacto de confiança.

As raízes da infidelidade são múltiplas. Oportunismo eleitoral, com promessas vazias, é uma. A justificativa de “novas condições" é outra. Mas a regra democrática impõe — no mínimo — transparência e diálogo franco.

Os prejuízos são profundos: cada promessa não cumprida diminui a confiança na Política e, com isso, gera a sensação de que o voto é um cheque em branco. Essa forma de entendimento é corrosiva: mina a participação popular, esvazia o sentido da representação e inviabiliza a fiscalização, deslegitimando o processo democrático.

Juridicamente, o "mandato imperativo” não existe, garantindo margem de manobra. Contudo, essa flexibilidade não pode ser carta branca para contradizer abertamente promessas que alicerçaram a eleição. Há um imperativo ético e um contrato moral tácito que sustenta o pacto social. Nesse ponto a filosofia pode dar base: Rousseau!

Para mitigar esses impactos, a sociedade, sim, deve se empoderar, e a imprensa, em seu papel crucial, permanecer vigilante. Mas, na esfera local, há um esteio fundamental para que as “consequências que vêm sempre depois” não sejam um fardo insuportável: a atuação dos vereadores.

A eles cabe, primariamente, o escrutínio das propostas, a cobrança do prometido e a antecipação dos efeitos de decisões cruciais, como a adoção de Parcerias Público-Privadas (PPPs) ou outras privatizações, que moldarão o futuro da cidade.

As promessas não cumpridas, ou as políticas implementadas em sentido contrário – como privatizações e PPPs apressadas –, são resultados de decisões, com cálculos eleitorais e políticos. As consequências de um ato podem parecer distantes no momento da ação, mas elas são inevitáveis e chegam depois, parafraseando o Conselheiro.

O tempo, afinal, perdoará a infidelidade programática?

Adiaremos as consequências?

Com a palavra os vereadores.

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