Depois de dois anos, a prévia da inflação oficial, medida pelo IPCA-15, registrou deflação de 0,14% em agosto. A queda no índice reacendeu o debate: seria este o momento de reduzir a taxa básica de juros, hoje em 15% ao ano?
À primeira vista, a resposta parece ser "sim". Mas a análise mais detalhada mostra que a situação não é tão simples.
Apesar da deflação mensal, o IPCA-15 acumula 4,95% em 12 meses. Isso significa que a inflação segue 0,45 ponto percentual acima do teto da meta de 4,5% ao ano, estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional. Vale lembrar: a meta central é de 3% ao ano. Ou seja, o Banco Central ainda está distante de seu objetivo.
Boa parte da deflação de agosto veio de fatores temporários. O aumento das tarifas americanas reduziu as exportações de alguns produtos, ampliando a oferta no mercado interno e derrubando preços. Exemplos: manga (-20,99%) e carne (-0,94%). Mas esse efeito dificilmente se sustentará no tempo. Outro fator foi a energia elétrica. O bônus de Itaipu trouxe alívio às contas de luz em capitais importantes, mas trata-se de um evento isolado, que não deve se repetir nos próximos meses.
Enquanto alguns preços cederam, os serviços avançaram 0,50% em agosto. Esse segmento tem baixa elasticidade de oferta no curto prazo — ou seja, não há como aumentar a disponibilidade rapidamente para conter preços. Por isso, tende a permanecer pressionado, sustentando a inflação.
O Brasil ainda se beneficia do diferencial de juros em relação a outros países. Com os Estados Unidos sinalizando corte de taxas, os juros elevados por aqui atraem capital estrangeiro, fortalecem o real e ajudam a conter a inflação. Mas esse movimento depende da confiança externa — qualquer instabilidade política ou fiscal pode reverter o quadro.
Na visão de Roberto Campos Neto, ex-presidente do Banco Central, só um "choque fiscal positivo" permitirá reduzir os juros de forma estrutural. E essa é justamente a fragilidade do Brasil hoje: com as contas públicas sob pressão e falta de disciplina fiscal, o mercado exige prêmios elevados para financiar a dívida. O resultado é uma taxa básica mais alta, mesmo diante de sinais temporários de alívio inflacionário.
A deflação no IPCA-15 não deve ser interpretada como sinal de queda iminente nos juros. O índice reflete fatores transitórios, enquanto a inflação acumulada ainda está acima da meta e a política fiscal segue fragilizada.
Em resumo: sem disciplina nas contas públicas, não haverá queda sustentável da taxa Selic — por mais que o alívio de preços no curto prazo possa sugerir o contrário.