OPINIÃO

Adultização como fenômeno social

Por Zarcillo Barbosa |
| Tempo de leitura: 3 min
O autor é jornalista e articulista do JC

Adultização de crianças como fenômeno social é coisa antiga. Nem por isso deixa de ser preocupante. No meu tempo, as meninas, mal aprendiam os primeiros passos, calçavam os sapatos de salto alto da mãe e todos achavam "uma gracinha".

Acontece que, com a digitalização e as redes sociais, as experiências do mundo adulto perderam muito da inocência.

Por milagre, depois de muita baderna junto à Mesa da Câmara e obstruções forçadas, opositores e situação decidiam se unir em torno de uma pauta nobre, de interesse de toda a sociedade. Milagre ou não, está para ser aprovado a proposição conhecida como Projeto de Lei Contra a Adultização de Crianças na área digital.

Espera-se que, com o instrumento legal, as autoridades consigam pôr ordem nessa terra de ninguém dominada pelas bigh techs internacionais. Pelo que eu entendi, será criada uma autoridade nacional autônoma - tipo Agência Nacional de Saúde - que terá a função de regulamentar, fiscalizar e zelar pelo cumprimento da lei.

Que o presidente Trump não chame esse ordenamento de "censura", destinada a prejudicar os interesses financeiros das plataformas de capital e know-how americanos. Mesmo porque será impossível qualquer retorno. As denúncias do influenciador Felca pegaram fundo. A exploração e sexualização infantil ganharam repercussão em todo o país. A sociedade brasileira, mães e pais, precisam cobrar a aprovação final (o PL terá que voltar ao Senado por causa das modificações). Quem sabe possa o Brasil dar a reclamada proteção ao público infantil, hoje submetido a todo tipo de tara adulta.

As plataformas terão que se aparelhar para impedir riscos de acesso por crianças e adolescentes a conteúdos erotizados ou sexualmente incrementados. É difícil que a lei consiga dar conta dessa tarefa, sem a ajuda dos pais e familiares, que continuam igualmente responsáveis.

O PL também proíbe que as empresas monetizem conteúdos. Seria um descalabro ainda ganhar dinheiro com a exploração de fotos e poses que atraem os pedófilos.

No Roblox, para dar um exemplo de plataforma de games extremamente popular entre as crianças, ganha-se dinheiro impulsionando conteúdos de crianças seminuas sem nenhum contexto em disputa. Existe uma prática arrojada entre os que compartilham, de forma excessiva, fotos vídeos e informações passadas por pais e responsáveis. O objetivo é o de transformar seus rebentos em possíveis personagens de novela e assim, assegurarem o futuro - deles e daqueles que os criam.

Os norte-americanos, que estão sempre na frente em estudos comportamentais, se utilizam do termo "sharenting" (de share, compartilhar e paranting (conexão de filhos), para denominar essa tarefa de dar visibilidade aos filhos visando, algum tipo de proveito numa futura profissão.

Esse tipo de conduta, mesmo nos Estados Unidos, pode violar direitos à intimidade, à honra, à imagem e comprometer o desenvolvimento psicológico e social da criança. No Brasil esses direitos são garantidos pelo Estado, no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Se as big techs reclamarem da fiscalização, paciência. A lei existe para ser cumprida por todos. E, aqui, manda o Estado brasileiro. Lucrar com a exposições de imagens de crianças não é coisa digna de comércio decente. As multas, após a entrada em vigor da lei, poderão chegar a R$ 50 milhões. O Congresso e o governo, desta vez, não estão para brincadeira.

Parece que estamos todos de acordo que a infância é a fase mais importante da vida. É nele que passamos a nos entender como gente, com as características que nos acompanharão o resto da vida.

É importante os primeiros anos serem vividos de forma plena. Com o avanço da tecnologia estamos cada vez mais diminuindo o tempo da infância. Esse processo de adultização pode trazer uma série de riscos às novas gerações.

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