Cada vez que pisa no tatame, a Sensei Elisa Rocha Caminaga, 28 anos, ensina muito mais do que golpes de judô. Com uma trajetória de superação permeada por afeto, a professora forma caráter, fortalece sonhos e acolhe histórias.
Nascida em Novo Horizonte, Elisa mudou-se para Bauru ainda bebê com os pais. Na cidade, tornou-se atleta da Seleção Brasileira de Judô, mas teve a carreira interrompida por uma lesão. Ao transformar a dor em força, criou, há sete anos, a Associação de Artes Marciais Caminaga, no Núcleo Mary Dota, em Bauru. Ao lado da mãe, Sensei Ciça Caminaga, e do Sensei Christopher Otaviano, ela mantém o projeto social esportivo com a ajuda de voluntários que acreditam no esporte como instrumento de mudança.
Hoje, cerca de 60 crianças e jovens - muitos de famílias de baixa renda - treinam sob sua orientação e já conquistaram medalhas e títulos importantes. Neste ano, a instituição também passou a oferecer aulas de jiu-jitsu e promoverá, em novembro, a 2.ª Copa Caminaga de Judô, evento regional da Federação Paulista de Judô.
Faixa-preta de judô e faixa-azul de jiu-jitsu, Elisa também é fisioterapeuta pós-graduada em trauma, ortopedia e fisioterapia esportiva com especialização em equoterapia. Casada com Guilherme e mãe de Leonardo, de 1 ano e 4 meses, a Sensei agora também dedica tempo à maternidade, que, segundo ela, aumentou seu amor pelos alunos e sua família. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.
JC - Como o judô surgiu na sua vida?
Elisa - Minha mãe jogava futebol desde pequena e, em casa, sempre gostamos de esportes. Somos do Mary Dota e, certo dia, vi umas crianças de kimono na rua. Como fiquei interessada, minha mãe foi se informar e descobriu que era um projeto de judô da prefeitura na Biblioteca Ramal. Comecei a treinar lá aos 6 anos e, três meses depois, fui vice-campeã paulista na categoria pré-mirim, hoje sub-9. Mas, por conta da escola, passei a treinar à noite e só tinha alunos adolescentes e adultos, então, eu só apanhava. Mas não desisti, consegui começar a jogar e, a partir dali, meu amor e o amor da minha família pelo judô só cresceram.
JC - Como foi a evolução para o esporte profissional?
Elisa - Na adolescência, entrei na equipe de alto rendimento do Sesi, quando comecei a treinar jiu-jitsu para melhorar minha luta no solo como judoca. Com isso, chegava em casa à meia-noite, então minha mãe, para ficar mais tempo comigo, começou a treinar junto e acabou se tornando faixa preta de judô e jiu-jitsu. Decidi sair do Sesi para representar a Associação Bushido - formada por pais dos atletas do projeto da prefeitura, que tinha sido interrompido - e entrei na base da Seleção Brasileira, aos 14 anos. Com 15, fiquei em 5.º lugar em um circuito mundial na Alemanha e fui medalhista no Campeonato Paulista dos 6 aos 20 anos. Também conquistei títulos no Sul-Brasileiro, fui campeã dos Jogos Abertos e, em 2015, campeã da Copa São Paulo, o maior campeonato de judô da América Latina.
JC - Quando deixou a carreira como atleta para dar aulas?
Elisa - Após um ano na Bushido, tinha retornado ao Sesi e, com 20 anos, por conta de hérnias na coluna, precisei antecipar minha aposentadoria como atleta. Entrei em estado de luto, porque judô era o que eu sabia fazer na vida e tinha o sonho olímpico. Eu já estava cursando fisioterapia e minha irmã, Elena, aos 4 anos, decidiu ingressar na Bushido. Eu a levava às aulas e vi que poderia ajudar. Comecei a dar aulas como voluntária lá e em 2018, por incentivo do Mário Sabino (atleta da Seleção já falecido), que também foi meu Sensei, fundei a Associação Caminaga. Comecei com quatro atletas, que estão comigo até hoje, e agora somos três professores voluntários faixas-pretas, minha mãe, o Chris e eu, com cerca de 60 alunos. Destes, 25 são federados e conquistaram medalhas em todas as competições da Federação Paulista de Judô. Temos, por exemplo, uma campeã da Copa São Paulo e uma vice-campeã paulista.
JC - Como o projeto é mantido?
Elisa - Começamos em um espaço alugado no Mary Dota e depois fomos para a Biblioteca Ramal. Em 2019, federamos nossa equipe, mas veio a pandemia e tudo parou. Quando liberou, iniciamos treinos ao ar livre em praças e quadras. Foi tudo extremamente difícil, mas há três anos conseguimos, junto ao Sindicato do Metalúrgicos, um espaço que tornou-se nossa sede. Lá, cada um contribui com o que pode, seja doação em dinheiro, materiais de limpeza, brindes para fazermos rifas. Vendemos nosso tradicional caldinho em julho, fazemos pastelada, sempre com renda revertida para o custeio das competições, porque a maioria dos alunos é de família de baixa renda. Também temos crianças que são apadrinhadas por pessoas que acreditam no esporte.
JC - Além do projeto, atua em outras frentes?
Elisa - Fui professora de judô da Luso por oito anos e, há um ano, trabalho no Centro de Equoterapia com crianças com autismo, paralisia, que me ensinam muito. Atendo pacientes de ortopedia em domicílio e agora também me dedico à maternidade, que me mudou até como professora. O Léo me acompanha nas aulas, é o xodó da equipe e já adora judô. Ele me fez amar ainda mais meus alunos, olhar mais para a luta dos pais por seus filhos e valorizar ainda mais tudo o que meus fizeram para eu poder viver meu sonho.
JC - O que a motiva a seguir com o projeto?
Elisa - O judô molda caráter, transforma vidas, ensina a ter disciplina, respeito, entender o que é hierarquia, aprender com as derrotas. Somos uma família e criamos um ambiente para que os alunos possam se sentir seguros e compartilhar seus dilemas, que não são poucos. Eles também precisam ter bom desempenho escolar para fazer o exame de troca de faixa e ser organizados em casa. Claro que o sonho de todo professor é colocar um atleta em uma Olimpíada, mas meu desejo é ver meus alunos pegando o diploma da faculdade, construindo família e tendo sucesso na vida.
O que diz a professora:
'Entrei na base da Seleção Brasileira aos 14 anos e, com 15, fiquei em 5.º lugar em um circuito mundial'
'Nossos alunos conquistaram medalhas em todas as competições da Federação Paulista de Judô'
'O judô molda caráter, transforma vidas, ensina a ter disciplina, respeito e a aprender com as derrotas'