Entregue há mais de um ano e ainda sem funcionar, o Restaurante do Zoológico de Bauru virou o epicentro de uma controvérsia envolvendo a prefeitura e o empresário Daniel Chan Escobar, 46 anos, atual responsável pela cantina do local. Ele tem uma dívida milionária com o Executivo, que o acusa de tentar burlar as regras do edital para assumir o novo espaço.
Segundo a administração municipal, o comerciante adotou a estratégia de utilizar o CNPJ da cunhada dele Soraya Manfrinato Lemus - que alterou o registro de seu negócio, dias antes do certame, para atuar no ramo alimentício. Com a abertura do novo restaurante ao público, a cantina atualmente administrada por Daniel Chan deixará de funcionar, conforme informou a Secretaria do Meio Ambiente. A decisão se baseia no fato de serem oferecidos os mesmos produtos e serviços no novo prédio.
“O que eles fizeram foi um conluio para tentar burlar e manter na cantina. Eles estão fazendo de tudo para embolar o meio de campo, porque enquanto o restaurante não funcionar, eles ficam lá”, reitera a titular da pasta Cilene Chabuh Bordezan, responsável pelo zoológico. Daniel nega as acusações, consideradas criminosas por ele, e diz ter vencido uma ação contra a prefeitura envolvendo a licitação da cantina. Segundo o empresário, o valor a receber seria próximo ao do débito que tem.
A secretária explica que, por conta das dívidas, a prefeitura poderia retirar o empresário do controle da cantina. No entanto, o Executivo avaliou que seria prejudicial à população não haver opções de alimentação durante as visitas. Optaram, então, por manter Daniel operando a lanchonete.
“A gente não pode ter um prédio público deteriorando desse jeito, por conta de um atraso de edital causado pelo próprio interessado”, afirma Cilene. Ela destaca, ainda, que os outros editais abertos passaram por alterações para derrubar a estratégia de Daniel. “Colocamos, inclusive, que parentes não poderiam participar do edital”, diz. Ela ressalta que a prefeitura atuou com amparo legal e seguindo a constituição.
Outro CNPJ
Mesmo com o impedimento do parentesco, Daniel Chan Escobar compareceu ao leilão, cuja primeira etapa foi realizada no dia 6 de junho. Ao invés de participar com as empresas que têm dívidas com a prefeitura, ele representou o CNPJ de Soraya Manfrinato Lemus.
Após dezenas de lances, a vencedora foi justamente a inscrita em nome da cunhada dele. Conforme a prefeitura, Soraya alterou a atividade principal, que era do setor de vestuário, para alimentação. Para o titular da pasta, a medida caracterizou uso de CNPJ ‘laranja’ para tentar contornar o impedimento à participação do empresário.
Nesta quinta-feira (14), a sessão foi retomada e a empresa da cunhada foi inabilitada. No documento, a prefeitura aponta que “a participação da licitante caracteriza utilização indevida da personalidade jurídica para burlar impedimento da empresa R. G. Chan Almeida Comércio de Alimentos Ltda de participar na licitação anterior que, por sua vez, tentou substituir a empresa R C Chan Almeida Comércio de Alimentos - ME”.
As empresas citadas são vinculadas à família de Daniel. O documento cita, ainda, que o endereço registrado por Soraya é o mesmo onde opera a empresa R.G. Chan Almeida.
Imbróglio
O caso é o mais recente capítulo de uma disputa que se arrasta por três licitações. O restaurante foi entregue em março de 2024, sete anos após a assinatura da ordem de serviço para as obras, na gestão do ex-prefeito Rodrigo Agostinho. Em 2023, a administração Suéllen Rosim (PSD) publicou dois editais, ambos alvo de críticas por conta das exigências e do alto valor do aluguel, e que fracassaram.
Neste ano, para viabilizar a abertura do restaurante, a prefeitura decidiu flexibilizar as regras e adotar um leilão de maior aquisição: vence quem oferecer o maior valor de aluguel para explorar o espaço.
Cilene reafirma que Soraya não possuía a documentação exigida e foi usada como “laranja” para manter o grupo familiar no zoológico. A secretaria reuniu fotos e outras provas para sustentar a denúncia, que será encaminhada ao Ministério Público, informa.
Descumprimento
Daniel Chan refuta as acusações. Afirma que as empresas são distintas, sem impedimento legal para participar, e que Soraya agiu por conta própria. A cunhada, por sua vez, diz que foi decisão dela participar do pleito e que tem expertise para trabalhar na área. Daniel foi representando o CNPJ da mulher de seu irmão porque teria mais conhecimento sobre a participação em licitações, explica a empresária.
Ambos reforçam que as acusações da prefeitura são criminosas e que a alteração da atividade da empresa de Soraya não é ilegal. Daniel alega que a prefeitura descumpriu o contrato original de 2017, que previa a transferência da operação para o restaurante assim que estivesse pronto. Segundo ele, o atraso nas obras e a falta de estrutura na lanchonete para o preparo de refeições inviabilizaram o cumprimento das obrigações e o motivaram a suspender, de forma unilateral, o pagamento do aluguel, originando a dívida.
O empresário afirma ter vencido ação judicial contra a prefeitura para receber uma indenização por lucros cessantes, que pode superar R$ 1 milhão. Chan enxerga perseguição política na postura da gestão municipal e promete adotar medidas cabíveis.