OPINIÃO

Um imbróglio na formação de condutores

Por Archimedes Azevedo Raia Jr. |
| Tempo de leitura: 3 min

O Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) acenou, no dia 30 de julho último, a intenção de derrubar a obrigatoriedade de aulas teóricas e práticas nos Centros de Formação de Condutores, com o intuito de obtenção de Carteira Nacional de Habilitação. Isto vai na contramão da tendência de países desenvolvidos. Na verdade, os especialistas sobre este assunto reconhecem e questionam a metodologia atual de formação de condutores no país. No entanto, quando um processo não produz resultados esperados tem-se que reavaliá-lo e promover modificações pertinentes visando a sua melhoria.

Esta decisão sinalizada pelo Contran vai de encontro com as diretrizes previstas no Objetivo 11 da ONU, "proporcionar o acesso a sistemas de transporte seguros", aos pilares do plano global para segurança no trânsito, como estabelecido pela Década de Ação pela Segurança no Trânsito da ONU 2021-2030, e do PNATRANS-Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito.

Em 2021, o PNATRANS, que passou por processo de revisão e aprovação, procurou ressaltar como um de seus pilares centrais, a educação para o trânsito, com direcionamento de alteração no comportamento dos players do trânsito. Dentre seus direcionamentos, evidencia-se a requalificação da formação de condutores, procurando valorizar competências socioemocionais, a percepção de risco, além da compreensão do trânsito como espaço de convivência social. Urge criar uma mentalidade que produza respeito, reconhecendo no outro um ser humano cuja vida precisa ser preservada. A mera eliminação da exigência de formação estruturada, tal como apresentada na declaração, contraria frontalmente essas diretrizes, uma vez que não leva em conta a educação no processo de habilitação.

As estatísticas de sinistralidade das rodovias federais elaboradas pela Polícia Rodoviária Federal apontam o comportamento humano como o responsável por cerca de 90% das mortes e lesões graves. Assim, a adequada formação de condutores deve ser parte de uma política pública voltada para a diminuição da sinistralidade no trânsito, tal como apregoa o PNATRANS.

Segundo o Observatório Nacional de Segurança Viária, a Resolução 726/2018 do Contran, que regulamenta o processo de formação, foi elaborada levando-se em conta a Matriz GDE (Goals for Driver Education), sobejamente adotada por diversos países com positivos resultados em segurança viária.

O fundamento teórico da Matriz GDE na formação de condutores reconhece que não se pode tratar apenas de dominar o veículo e o conjunto de regras, mas que também têm de ser transmitidas, simultaneamente, competências primárias como atitudes relevantes para a segurança, autocontrole, introspeção e a aceitação das regras de trânsito durante a instrução. Nesse contexto, a sinalização de supressão da formação vigente pode representar um gravíssimo retrocesso, na medida em que fragiliza a governança da política pública de trânsito, transfere para o cidadão a responsabilidade exclusiva pela sua qualificação e rompe com o modelo Safe Traffic adotado globalmente, que preconiza responsabilidade compartilhada entre Estado, instituições e usuários do trânsito.

O custo da obtenção da CNH não pode ser motivo do afrouxamento no processo de formação. As não conformidades deste processo devem ser analisadas e debatidas pela sociedade para sua devida correção. A segurança viária, com a preservação das pessoas deve ser imperativo. A vida e a saúde humana não têm preço e não podem ser banalizadas, pois são um dom maior de Deus.

O autor é engenheiro e professor titular aposentado do Departamento de Engenharia Civil/Ênfase em Engenharia Urbana da UFSCar e coautor do livro Segurança no Trânsito

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