Polarização, discursos políticos que se assemelham a um cenário de guerra e a falta de um propósito pela cidadania ajudam a explicar não só 12.388 títulos eleitorais cancelados pela Justiça Eleitoral em Bauru, como aponta balanço divulgado na semana passada pelo JC, mas especialmente o fato de jovens entre 25 a 29 anos liderarem essas baixas.
Trata-se, na avaliação do advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral, professor da disciplina homônima da EPT e sócio do escritório Alberto Rollo Advogados Associados, "de um completo desinteresse pela política" entre os mais novos.
A declaração, proferida durante entrevista ao JC na terça-feira (8), vem dias depois de relatório do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP) divulgar balanço sobre os títulos - que são cancelados automaticamente entre aqueles que não votaram, não justificaram a ausência em três turnos consecutivos de eleição nem regularizaram a situação por meio do pagamento de multa.
Dos mais de 12 mil documentos afetados, como mostrou o JC na semana passada, 2.752 pertencem a pessoas que têm entre 25 a 29 anos.
"O desinteresse [pela política] é a principal explicação. Hoje a política se dá principalmente pelas redes sociais e os jovens têm mais acesso a elas. Há um bombardeio diário de informações e desinformações por ali. Então eles se decepcionam mais, se desinteressam mais", explica o especialista.
A apatia entre os mais novos, aponta, já não se justifica pela falta de acesso ou dificuldade de deslocamento. A regularização do título, por exemplo, pode ser feita integralmente pela internet - e mesmo assim há quem deixe o documento vencer ou cancelá-lo por inércia.
"Só vão perceber [o cancelamento] quando precisam da certidão de quitação eleitoral, para tirar passaporte, prestar concurso público ou se matricular em uma universidade pública, por exemplo", lembra Rollo. "O problema", portanto, "não é operacional, mas falta de interesse, mesmo. A política deixou de seduzir", afirma.
A polarização também contribui. Nas palavras do especialista, o ambiente político se tornou "uma guerra". "Nas redes [sociais], um lado diz que o outro está podre. E o outro responde na mesma moeda. Isso enche o saco, cansa e afasta", diz.
Na outra ponta da curva, enquanto isso, o comportamento é diametralmente oposto. Segundo o TRE-SP, foram cancelados 2.569 títulos de eleitores entre 50 a 74 anos - resultado da soma de cinco faixas etárias -, número inferior ao registrado na faixa etária que lidera as baixas.
Segundo Rollo, isso indica evidentes diferenças na educação cidadã das gerações. "Uma comparação válida envolve as vacinas. O Brasil está atrasado na vacinação de crianças e jovens. Por quê? Porque os pais das crianças de hoje não passaram por nenhum tipo de problema de doença. Então não sabem como é importante você ter a vacina contra a pólio, contra sarampo", menciona.
"É mais ou menos o mesmo raciocínio. Ninguém dessa geração mais nova passou por nenhum tipo de problema. Não viveu uma época em que não tinha democracia, não tinha liberdade, em que você não podia escolher quem iria governar - bem ou mal, isso não importa. O importante é o direito de escolher, como aconteceu com a luta pelas 'Diretas Já'", acrescenta.
Hoje, afirma, a própria ideia da coisa pública acabou esvaziada - e a política deixou de ser tratada como espaço de construção coletiva para ser vista como negócio. "Hoje se vende curso de como ser vereador, como ser deputado. Virou cartilha. Não há formação cidadã. É tudo de forma superficial, como se fosse para cumprir uma etapa. E não por propósito", comenta.
O próprio desafio de se alterar esse cenário se revela complexo, disse o advogado quando questionado sobre se reformas políticas ou partidárias poderiam resolver o problema. "Vejo que são assuntos tão profundos que, acredito eu, os mais jovens não estejam pensando nisso. E aí você não consegue promover uma discussão sobre se o voto distrital é melhor, por exemplo, ou se isso vai aproximar o eleitor do representante", pondera.