
A Comissão Especial de Inquérito (CEI) que apura denúncias de desvios no Fundo Social da Prefeitura de Bauru pediu nesta sexta-feira (27) o arquivamento dos trabalhos, embora admita “falhas primárias e graves na gestão administrativa e operacional” da instituição.
A conclusão consta do relatório final lido na manhã desta sexta pelo relator da CEI, vereador André Maldonado (PP). O documento será submetido a plenário para ser votado na sessão de segunda-feira (30). Vereadores de oposição criticaram o término da CEI e afirmam ver na comissão um jogo de "cartas marcadas".
Uma das críticas da oposição envolve o fato de que a prefeitura só respondeu a questionamentos da vereadora Estela Almagro (PT) na quinta-feira (26), a menos de um dia da apresentação do relatório, e que não houve reunião da comissão para deliberar sobre os documentos (leia mais ao final).
Nos termos do relator, “a vasta quantidade de documentos acostada aos autos, trazidos, em suma, pela denunciante, pela Polícia Civil e pela Prefeitura de Bauru, não foi capaz de comprovar a ocorrência de irregularidades ou ilicitudes envolvendo o Fundo Social”.
O encerramento antecipado da CEI – aberta há pouco mais um mês – já era esperado ante a conclusão da Polícia Civil que também não viu provas que corroborassem com as acusações e admitiu, apesar disso, a problemática gestão patrimonial do órgão.
O trecho do relatório da Polícia segundo o qual “não é possível afirmar de forma conclusiva se houve, de fato, irregularidades nas doações da Polícia Civil, conforme apontado pela sra. Damaris, tampouco nas doações de cestas básicas”, por sinal, consta do voto do vereador Maldonado.
O relatório da CEI, por sua vez, afirma que Damaris “confessou por várias vezes ter executado supostos crimes durante sua atuação no Fundo” e pede a remessa da documentação às autoridades policiais e ao próprio Ministério Público de São Paulo (MP-SP).
Ao mesmo tempo, porém, requer o arquivamento do caso com relação às demais pessoas mencionadas pela ex-aliada do governo “uma vez que não foram produzidas provas, ou qualquer elemento material que corroborasse com a respectiva acusação”.
A CEI também propôs a notificação do Ministério Público Eleitoral para tomar ciência acerca das denúncias de despesas não declaradas durante a campanha de Lúcia Rosim a deputada estadual em 2022.
Como mostrou o JC, Damaris relatou em depoimento ter recebido R$ 2,9 mil para atuar na campanha de Lúcia em despesa não declarada ao Tribunal Superior Eleitoral. Nesse sentido, ela disse ter pedido votos à mãe da prefeita durante a entrega de cestas básicas.
Ao pedir o encaminhamento do caso ao Ministério Público Eleitoral, o relatório diz que a medida se deve ao fato de que “tais alegações fogem absolutamente ao objeto e competência desta CEI”.
O documento assinado pelo relator Maldonado não explica o decreto 13.828/2018 – editado pelo ex-prefeito Clodoaldo Gazzetta para regulamentar as diretrizes em torno das doações recebidas pelo município.
O vereador só cita ter solicitado o decreto – “foram solicitados documentos referentes às normativas que regulamentam os patrimônios e doações ao município” – para posteriormente dizer que “diante da constatação de uma organização administrativa/operacional falha e insuficiente, opina-se pela expedição de recomendação à prefeitura para que, imediatamente, adote medidas corretivas e preventivas suficientes”.
O relatório também aborda, mas minimiza, as duas contradições que circundaram o depoimento da ex-assessora do Fundo Social Andréa Storolli.
A primeira envolve questão partidária: ela negou ser ou ter sido filiada a algum partido enquanto foi, na verdade, candidata a vereadora no ano passado pelo PP. É o mesmo partido do relator da CEI, que não a confrontou durante a oitiva - ele disse em declarações posteriores que não se lembrava do fato de que Andréa compunha a chapa de candidatos.
A segunda, por sua vez, abrange a irmã de Lúcia Rosim, Márcia Maria da Silva. Storolli negou ter conhecimento de que a tia da prefeita retirasse cestas básicas do Fundo Social – em áudio enviado a Damaris Pavan, porém, admite o fato e, mais do que isso, confirma que não havia nenhum controle sobre isso. Ela alega que a gravação está fora de contexto.
“Especificamente quanto às divergências apontadas nos depoimentos da sra. Andréa, há de se destacar que, para a formação de convicção, é necessária não apenas a análise isolada de um fragmento de prova, [mas] a análise de todo o processado, inclusive com relação as demais provas testemunhais produzidas, as quais, quase que unanimemente, convergiram no sentido da inocorrência de irregularidades no âmbito do Fundo”, diz o documento.
Em nota enviada ao JC, o advogado Jeferson Machado, que defende a família Rosim, reafirmou a inocência da mãe da prefeita e disse que “o relatório final da CEI, na mesma linha da conclusão tida pela autoridade policial, uma vez mais ratificou o que dissemos desde o início: não se pode provar o que efetivamente não aconteceu”.
Oposição critica relatório
Em transmissão pelas redes sociais pouco antes da leitura do relatório, o vereador Eduardo Borgo (Novo) afirmou que o caso terminaria "em pizza" e disse que as denúncias da ex-aliada Damaris "são de embrulhar o estômago". "Então é isso? Se não tem controle, não tem como apurar e arquiva? Imagine se sumisse R$ 1 milhão de dinheiro público e ninguém sabe quem pegou. Se não sabe, não vai investigar?", criticou.
A vereadora Estela Almagro também criticou a conclusão da CEI - sobretudo depois de o presidente da comissão, vereador Sandro Bussola (MDB), dizer que o objeto da CEI envolvia apenas os itens doados pela Polícia Civil. "Se era apenas da Polícia, por que pediu informações à Receita Federal?", indagou a petista.
Para a parlamentar, o caso é "um verdadeiro espetáculo de prevaricação". "Enquanto as contradições se acumulam e as mentiras se mostram cada vez mais evidentes, parte da Câmara prefere proteger o poder do que defender o povo", afirmou.
O vereador Natalino da Pousada (PDT) também comentou o arquivamento e disse ter recebido "com profunda preocupação a notícia de que, por meio de uma manobra política, decidiu-se arquivar as denúncias",
"Essa decisão representa um duro golpe na transparência e na responsabilidade com os recursos destinados justamente aos que mais precisam. Quando o poder público opta por encobrir ao invés de investigar, enfraquece-se a confiança da população e acende-se um alerta sobre a impunidade", afirmou o parlamentar.