
O número de denúncias de abandono de crianças e até bebês sem supervisão dos pais em Bauru tem preocupado o Conselho Tutelar (CT) da cidade, que aponta o agravamento do cenário de negligência familiar, muitas vezes associado ao uso abusivo de álcool e outras drogas. Entre janeiro e maio deste ano, o CT 1 recebeu 23 denúncias de abandono de incapaz, das quais nove foram consideradas procedentes.
Em 2024, o total foi de 59 registros e não há levantamento sobre quantos foram confirmados. Embora a proporção de denúncias tenha se mantido, há um aumento de casos envolvendo pais em situação de vulnerabilidade social e dependência química, sem condições de garantir os cuidados básicos aos filhos, segundo alerta o conselheiro tutelar Casemiro de Abreu Neto.
As denúncias chegam por diferentes canais, como o Disque 100, telefone e e-mail do órgão a partir de relatos feitos por vizinhos, familiares ou ex-companheiros dos responsáveis pelas crianças. "Percebo que tem havido aumento de casos de negligência dos pais, que não estão exercendo a função protetiva em um contexto de abuso de drogas, com falta de cuidados de uma forma geral com os filhos", observa.
Abreu Neto cita um caso ocorrido há cerca de 45 dias, em que uma mãe deixou dois bebês sozinhos em casa. "Acionamos a Polícia Militar e encontramos as duas crianças sozinhas há cerca de quatro horas. Uma delas estava dentro da privada. Os bebês foram para um serviço de acolhimento e a mãe, usuária de drogas, não foi presa, mas passou pela delegacia e responderá criminalmente", relata.
O conselheiro esclarece que a análise da situação de abandono nem sempre é simples. Segundo o artigo 133 do Código Penal, o abandono de incapaz ocorre quando alguém sob a guarda de um responsável é deixada sem proteção ou condições de se defender. E isso inclui não apenas crianças pequenas, mas também idosos acamados e pessoas com deficiência, por exemplo - casos que não integram o escopo de atuação do CT.
APURAÇÃO
A configuração do crime, porém, depende da avaliação de risco a que o indivíduo está exposto e, por isso, cada caso exige apuração detalhada. Um adolescente de 16 anos, por exemplo, já pode responder por alguns atos civis, mas não tem, necessariamente, maturidade para cuidar de um bebê.
"Já uma jovem de 18 anos que fica com o irmão de 3 anos por algumas horas enquanto os pais trabalham está em outra condição. É uma análise subjetiva, que será feita pela autoridade policial e depende das circunstâncias de cada caso", frisa Abreu Neto.
Para o conselheiro, há dois perfis preponderantes entre os casos de negligência. O primeiro é de famílias extremamente pobres, nas quais os pais tentam equilibrar, nem sempre com êxito, trabalho e cuidados com os filhos. O segundo é de pessoas com histórico de dependência química que perdem a noção da responsabilidade parental.
"Há casos em que a criança mora com uma mãe que trabalha, vai na escola de manhã e fica sozinha em casa à tarde. Então, assim que chegamos a uma residência, não pegamos a criança e a levamos imediatamente para o serviço de acolhimento. Primeiro, tentamos identificar quem é a família, aguardamos a chegada da mãe ou do pai e buscamos entender real a situação" detalha.
A pena para quem comente crime de abandono de incapaz é de seis meses a três anos de detenção, podendo chegar a 12 anos de reclusão quando resulta na morte da vítima. Um caso desta natureza ocorreu em Bauru no dia 7 de junho deste ano, quando três irmãos - duas meninas, de 5 anos e 1 ano e meio, e um menino de 3 anos foram deixados sozinhos dentro de casa após os pais saírem para comprar um bolo de aniversário para a primogênita.
O imóvel, contudo, pegou fogo e a bebê de 1 ano e meio acabou morrendo. O casal foi preso e, na última segunda-feira (16), a Polícia Civil concluiu o inquérito sobre o caso e o remeteu ao Ministério Público, que poderá ofertar denúncia à Justiça contra os indiciados, solicitar a realização de novas diligências ou deliberar pelo arquivamento do caso.
Nas escolas
O CT 1 de Bauru também tem sido acionado com frequência em situações nas quais alunos são deixados pelos pais em escolas da cidade por longos períodos após o término das aulas. A situação, embora não configure necessariamente abandono de incapaz, preocupa o conselheiro tutelar Casemiro de Abreu Neto. "Na semana passada, por exemplo, uma criança ficou mais de uma hora esperando o pai, que trabalha durante a noite, chegou em casa, dormiu e perdeu o horário de buscá-la. A diretoria já tinha tentado contato inclusive com a mãe, que estava trabalhando, e acionou o conselho. Estávamos prestes a encaminhar a criança para acolhimento, mas o pai chegou a tempo e foi advertido. Usando o bom senso, acredito que não cabe criminalização nestes casos", analisa. Em nota, a Secretaria Municipal de Educação informou que os casos são raros na rede e, quando ocorrem, não ultrapassam 15 minutos, o que dispensa o acionamento do Conselho Tutelar.