A prática cristã de adorar a Deus no primeiro dia da semana suscita questionamentos legítimos. Afinal, a própria Escritura consagra o sétimo dia como o dia de descanso (Êx 20.8-11). Por que, então, a Igreja passou a observar o domingo como o dia do Senhor? Para responder, é necessário considerar o desenvolvimento teológico da revelação bíblica em torno do tema do descanso e da redenção.
CRIAÇÃO E REDENÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO
No Antigo Testamento, o sábado era mais do que um simples dia de descanso; ele simbolizava uma expectativa escatológica. Inicialmente instituído como memorial da criação (Gn 2.3; Êx 20.11), o sábado também passou a representar a redenção, como indicado em Deuteronômio 5.15, onde a guarda do sábado é vinculada à libertação do Egito. Assim, o sábado apontava tanto para o descanso criacional quanto para a obra redentora de Deus. Essa conexão entre descanso e redenção se torna ainda mais evidente nas experiências históricas de Israel. O ingresso na terra prometida, sob Josué, simbolizou uma antecipação do "descanso sabático" (cf. Js 21.44; Hb 4.8-9). Do mesmo modo, os setenta anos do exílio babilônico são descritos como um tempo em que a terra descansava dos seus sábados (2 Cr 36.21), reforçando a relação entre descanso, juízo e promessa redentora.
CRISTO: O DESCANSO CUMPRIDO
Com a vinda de Jesus Cristo, o significado do sábado é radicalmente ressignificado. O próprio Cristo é o cumprimento da promessa do verdadeiro descanso (Mt 11.28-29; Hb 4.9-10). A ressurreição de Jesus, ocorrida no primeiro dia da semana (Mt 28.1), inaugura uma nova ordem: a redenção foi consumada (João 19.30), e o novo povo de Deus passa a viver à luz dessa realidade consumada. Nesse sentido, o domingo não anula o princípio sabático, mas o cumpre em sua dimensão mais profunda. Os crentes da nova aliança não olham mais para frente, mas para trás, contemplando a obra redentora já realizada por Cristo. O descanso sabático do Antigo Testamento era sombra da realidade; a realidade encontra-se em Cristo (Cl 2.16-17).
O TESTEMUNHO DO NOVO TESTAMENTO
O Novo Testamento oferece diversos indícios de que o primeiro dia da semana tornou-se o dia de adoração cristã. Jesus Cristo ressuscitou no primeiro dia da semana (Mt 28.1). Apareceu aos seus discípulos reunidos no domingo (Jo 20.19, 26), estabelecendo um novo padrão para comunhão e adoração. O Pentecostes, derramamento inaugural do Espírito, ocorreu também no primeiro dia da semana (At 2.1; cf. Lv 23.15-16), vinculando a nova criação com esse dia específico. A prática apostólica reforça esse padrão. Em Atos 20.7, os cristãos de Trôade se reuniam no primeiro dia da semana para partir o pão e ouvir a pregação. Em 1 Coríntios 16.2, Paulo orienta os crentes a separarem suas ofertas nesse mesmo dia, evidenciando uma rotina litúrgica estabelecida. O "dia do Senhor" mencionado por João em Apocalipse 1.10, embora o dia possa ser interpretado de forma indefinida, muito provavelmente se refere ao domingo, o dia do Senhor, é o dia da ressurreição do Senhor, como já reconhecido entre os primeiros cristãos.
A CONTINUIDADE MORAL DO MANDAMENTO
Importa destacar que o princípio de separar um dia entre sete permanece em vigor como parte da lei moral de Deus. O quarto mandamento não foi revogado, mas cumprido em Cristo. A mudança do dia não altera a substância do mandamento, mas revela sua plenitude à luz da nova aliança. O sábado apontava para um descanso vindouro; o domingo celebra o descanso inaugurado na ressurreição de Cristo.
ADORAR NO DIA DO SENHOR
Adorar a Deus no domingo é, portanto, uma expressão teológica profunda. É reconhecer que a redenção já foi realizada e que a nova criação já começou em Cristo. Nesse dia, os cristãos se reúnem para celebrar a vitória sobre o pecado e a morte, antecipando o descanso eterno prometido (Hb 4.9-11). Assim, ao adorarmos a Deus no primeiro dia da semana, não seguimos meramente uma tradição eclesiástica, mas nos submetemos à progressiva revelação das Escrituras, que nos conduz do repouso tipológico do sábado à realidade consumada no Cristo ressurreto. O domingo é, de fato, o "dia do Senhor" — memorial semanal da nova criação, selo da redenção cumprida, e antecipação do descanso eterno prometido. Neste domingo de Páscoa, dia em que a luz venceu as trevas e a vida triunfou sobre a morte, vinde e adoremos Aquele que ressuscitou gloriosamente! Celebremos o Cordeiro vitorioso, que vive e reina pelos séculos dos séculos. Amém.
IGREJA BATISTA DO ESTORIL
63 anos atuando Soli Deo Gloria