Pois é, o mundo mudou. Numa velocidade vertiginosa, a tecnologia colocou, ao alcance do dedo das crianças, um mundo digital sedutor, perigoso, sem regras e sem limites. O que antes era consenso deixou de ser. Pornografia, por exemplo, era para maiores de 18 anos. Não é mais. Crianças jamais deveriam conversar com estranhos. Não devem mesmo, mas a sedutora pedofilia anda à espreita delas pelas sombras da internet. A tecnologia entrou no quarto das crianças. E com ela, a ansiedade por likes e compartilhamentos, a competição por selfies, a busca por aprovação e o bullying causador do medo, da angústia e da depressão. Não bastasse esse caos, somam-se ainda vozes digitais de "influencers" sugerindo comportamentos nem sempre desejáveis.
O drama ficcional "Adolescência", da Netflix, estreou recentemente batendo recordes assustadores de audiência, superando 66 milhões de espectadores. No enredo, um menino de 13 anos é acusado de matar a facadas uma colega de escola. Tamanha repercussão tem gerado debates acalorados e, agora, o governo do Reino Unido decidiu transmitir a minissérie gratuitamente nas escolas de ensino médio.
Perguntas básicas buscam os porquês da tragédia. Falharam os pais? Falhou a escola? E as redes sociais, o que têm com isso? Alguns sinais do enredo mais complicam do que explicam: o menino Jamie não vem de uma família desestruturada; não se trata de escola pobre de periferia; os pais são carinhosos e em casa nada falta. Culpá-los pelo desequilíbrio emocional do filho não faz sentido, afinal, a irmã é doce e afetiva. Por que só o menino problemático?
Não há resposta fácil, mas há sinais gritantes. A começar por um decisivo: a emoção na adolescência é avassaladora, reconhecem os estudiosos. A escola que tanto se preocupa em transmitir conteúdos - desejável e necessário - estaria, na mesma medida, preocupando-se com o lado emocional dos alunos? Diremos que algumas sim, outras nem tanto. Não se pode, contudo, pensar em educação centrada apenas em informação. É preciso tocar a sensibilidade dos alunos, arrepiar-lhes a pele, empatizá-los numa pedagogia de acolhimento emocional. Trabalhar as linguagens da sensibilidade: o teatro, o cinema, a poesia, a expressão corporal. Abrir-lhes oportunidades de fala para expressarem suas angústias e discutirem os problemas que os afligem. Dialogar com eles sobre o que acontece nas redes sociais, sobretudo a questão do bullying que tanto os traumatiza.
Os pais tem papel fundamental nesse processo. Precisam manter uma relação de amor, de confiança e de diálogo com os filhos, sem abrir mão da autoridade necessária. Claro, os adolescentes têm necessidade de privacidade, mas os pais não devem ter receio de lhes perguntar continuadamente se tudo está bem e, mais do que isso, manter o acompanhamento possível do uso da internet.
Para o filósofo Luiz Felipe Pondé, a série revela algo assustador: "já não temos a mínima ideia do que estamos fazendo nas escolas e nas famílias." Estaríamos nos sentindo impotentes diante da modernidade que se impõe. Pondé escolhe o último episódio da série como o mais expressivo. Nele se vê "a complexidade da vida em uma família afetiva e funcional, devastada pela contingência e pela impossibilidade de ir além das suas possibilidades humanas." Estaríamos perdendo o controle? Coisa pra pensar.