A farra dos "penduricalhos" nas remunerações de magistrados e servidores dos tribunais de Justiça, em um país civilizado, teria levado o povo às ruas para protestar e exigir um "basta". Todos os dias, a mídia impressa e eletrônica publica novas modalidades de dribles ao teto remuneratório. Somente no ano passado, foi de quase R$ 7 bilhões o estouro do limite constitucional. Estão incluídas na conta todas as esferas de Justiça.
O Conselho Nacional de Justiça quase nunca pode agir em proteção aos cofres públicos. Segundo o órgão, estão dentro da lei as 30 exceções que permitiram a existência de penduricalhos. O curioso é que as resoluções são do próprio CNJ, com status de lei ordinária.
Em alguns tribunais, o rendimento extra superou os R$ 500 mil por magistrados no ano. Detalhe: dinheiro livre de incidência de Imposto de Renda, por ser considerado proveniente de "verbas indenizatórias". Na média de todos os tribunais do país, nas esferas estadual e federal, o pagamento acima do teto por magistrado foi de R$ 270 mil em 2024, segundo os levantamentos publicados. O próprio Tesouro Nacional aponta que o gasto com tribunais de Justiça no Brasil é quatro vezes a média internacional.
Os juízes contam com 60 dias de férias por ano, o dobro do que é garantido aos demais trabalhadores. Mas nunca descansam, jamais foram à praia ou comprar ternos em Miami. Assim, são indenizados pela dedicação e o sacrifício. Como nunca puderam sair de férias com a família, tiveram indenizadas todas as férias a que fizeram jus, desde a ano em que assumiram seus postos. Entre as rubricas comuns, também estão auxílio-moradia, auxílio alimentação, auxílio-saúde, gratificação natalina e um apetitoso vale peru de 10 mil reais, que é para ninguém passar vontade.
Os gastos com as licenças compensatórias foram de R$ 12 bilhões, no exercício passado. A gratificação por exercício cumulativo, diz o jornal O Globo, é de um dia de folga para casa três trabalhados e que pode ser convertido em pagamento. Se o juiz ou o promotor trabalham em varas distintas, acumulam vencimentos. Há o que eles chamam de "acervo processual", ações distribuídas e vinculadas ao magistrado acima de um certo número de processos. Mais dinheiro no bolso.
Na Justiça Militar de Minas Gerais, 29 magistrados receberam R$ 24 milhões, pagos acima do teto. Deu R$ 835 mil por magistrado. Semana passada, o corregedor do CNJ suspendeu a compra de 50 smartphones do modelo mais caro da Apple, destinados aos desembargadores do Maranhão. A compra, segundo o edital de licitação, deveria custar R$ 573.399,50. A escolha foi por "critérios técnicos", justificou o TJ-MA.
Ninguém consegue parar a gastança. O teto para os servidores federais está hoje em R$ 46.366,19. Equivale a ganhos de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Segundo a legislação, nenhum servidor pode receber acima desse limite. Mesmo assim, o teto remuneratório é driblado com frequência. O governo já tentou blindar as flexibilizações remuneratórias com uma proposta de emenda constitucional, mas não consegue fazer a PEC prosperar. A pressão do Judiciário é forte. O "lobby da toga" conseguiu derrotar a mudança no Congresso. O argumento dissuasório é simples: Se deputados e senadores têm R$ 50 bilhões em emendas, por que não podemos ter R$ 40 bilhões em penduricalhos em cinco anos?
Desde criança, juízes e promotores sempre foram vistos por mim como pessoas de outra galáxia, sábios, incorruptíveis e intocáveis. Na Faculdade de Direito fui aluno de promotores, juízes e desembargadores admiráveis, conhecedores da "ciência do bom e do justo". Mudei eu ou mudou o Judiciário? O Brasil, país de imensa desigualdade social, não pode sustentar privilégios escandalosos. A fatura do Judiciário brasileiro, como um todo, já se aproxima dos recursos encaminhados ao Bolsa Família (R$166,3 bilhões em 2023) e que atende mais de 21 milhões de famílias. Não é justo.