
O historiador e memorialista Luciano Dias Pires, guardião da história de Bauru e durante décadas editor do Bauru Ilustrado, suplemento especial do JC, doou à Câmara Municipal a ata da sessão de instalação da comarca de Bauru - que data de 9 de março de 1911.
Dias Pires entregou em mãos o documento aos vereadores José Roberto Segalla (União Brasil) e Markinho Souza (MDB), presidente da Câmara, na última quinta-feira (27).
"É um documento histórico de suma importância para a cidade e retrata a posse do primeiro juiz de direito da comarca, o doutor Rodrigo Romeiro", explica Segalla. "A ata está inteiramente legível e deve ser preservada e instalada em local de destaque na Câmara", acrescenta.
Presidente da Casa, Markinho diz que a ideia a princípio é fazer uma cópia do livro-ata e deixá-la exposta no Legislativo de forma que possa ser preservada - nesse aspecto, uma das hipóteses é colocá-la dentro de um domo de vidro. A original, contudo, pode ser guardada nos arquivos.
O documento relata com detalhes a emancipação político-administrativa de Bauru, que foi acelerada após a morte do coronel Azarias Ferreira Leite, em outubro de 1910.
O assassinato de Azarias levou escolas públicas a suspenderam as aulas e impôs ao comércio um fechamento de três dias. Pelo menos quinhentas pessoas acompanharam o enterro do coronel, cuja morte foi responsável também por facilitar o processo de emancipação de Bauru à condição de comarca.
O projeto da emancipação foi apresentado pelo senador Almeida Nogueira, que defendeu a proposta em longo discurso na Casa em 24 de outubro de 1910, dias após a tragédia com Azarias Leite.
No discurso, o senador mencionou o atentado a Azarias Leite - sem nominá-lo, no entanto - e disse que "essa triste ocorrência chamou a atenção dos poderes públicos para a administração judiciária e policial do município do Bauru, onde alguma coisa [a criação da comarca] deve ser feita por parte do Congresso de São Paulo, projeto que inspira inadiável necessidade".
O texto passou a tramitar em regime de urgência e seria votado já na sessão seguinte (25). Acabaria sancionado meses depois, dando margem, enfim, à criação da comarca.
A conquista foi resultado de uma longa batalha em torno da emancipação que antes era travada com Lençóis Paulista, cuja comarca em 1901 foi transferida para a vizinha Agudos - contra quem a "briga" se virou posteriormente.
Coronéis das cidades-sede, afinal, tinham preferência muitas vezes em processos julgados pelos juízes de sua comarca em detrimento dos "chefões" de outras regiões.
Isso ainda não existia em Bauru, que administrativamente respondia a um juiz de direito distante da cidade. Além do progresso natural consequente da emancipação à condição de comarca, neste aspecto pode-se dizer que o objetivo da transformação era também político.
A comarca foi instalada em 9 de março de 1911 após ser aprovada pelo Senado de São Paulo e sancionada pelo presidente do Estado - organização política que predominava na República Velha.
Prevalecia nesta época a primeira Constituição Republicana do País, promulgada em 1891, que deu ampla autonomia a que os estados se organizassem — desde que respeitassem os princípios constitucionais da União.
A Carta de 1891 dava liberdade aos estados. Até na definição, por exemplo, da organização de seu poder legislativo. A maioria dos Senados Estaduais durou pouco. O sistema bicameral paulista (com Câmara e Senado), o mais longevo, seguiu até 1930 e só foi interrompido por Getúlio Vargas.
A opção de alguns Estados por um modelo bicameral se deveu mais à inspiração no modelo americano e a uma interpretação radical da regra de observância da forma republicana de organização política do que às forças políticas locais propriamente ditas.