OPINIÃO

Laicidade

Por Mauro C.P. Landolffi |
| Tempo de leitura: 3 min
Professor

"Bauru, cidade de espantos". Atribui-se essa frase ao poeta Rodrigues de Abreu, que em 1923, aos 26 anos, chegou a Bauru, e fez da nossa terra a sua terra. Pergunta-se até hoje o que lhe teria inspirado essa frase, mas, prestando um pouco de atenção no que se passa aqui, logo se tem uma pista sobre a opinião do poeta.

Este jornal trouxe no último dia 23 (23.01.25) uma matéria, com título em letras grandes: "Câmara tenta reverter decisão que derrubou leitura da Bíblia." (...) Com mais detalhes, a matéria explica que alguns vereadores não querem apenas incluir palavras ou frases de cunho religioso nos trabalhos do legislativo; não, querem também que faça parte do regimento interno da casa a leitura de um versículo da Bíblia antes das sessões legislativas.

E não é só isso: também ficaria legalmente estipulado que antes de iniciar os trabalhos fosse proferida a frase "sob a proteção de Deus...", além da determinação de que a Bíblia permanecesse sobre a Mesa Diretora da Casa das Leis. De fato, é de espantar. Membros do Ministério Público, do STJ e até do STF tentaram explicar aos nobres edis a noção de laicidade do Estado, que a Constituição não permite que sejam dispostos esses procedimentos de cunho religioso de maneira normativa -como seria feito no regimento interno se a intenção não fosse banida-, que tais comandos impositivos violariam efetivamente a laicidade e a neutralidade estatal.

É diferente, por exemplo, da iniciativa das pessoas -no caso, dos vereadores-, de ter e carregar consigo símbolos religiosos, expressar manifestações culturais e coisas assim. Não há restrições quanto a isso. Mas não adiantou: a presidência da Câmara já deixou claro que vai contestar até que se esgotem os recursos (...). É bom adiantar -e isso o pessoal das cortes também deve ter explicado aos vereadores- que vivemos em uma sociedade diversificada, e muitas vezes a adoção de símbolos ou mesmo procedimentos referentes a apenas um setor da população pode aparecer como exclusão dos demais. Isso muitas vezes pode servir para alimentar o preconceito religioso e todas as tristes consequências que vemos em nosso país e no mundo. Apesar da incoerência com o princípio da laicidade do Estado, o preâmbulo da nossa Constituição traz, sim, a expressão "sob a proteção de Deus", mas isso não implica imposição nenhuma a ninguém.

Então, que todos fiquem livres para expressar suas crenças e suas correntes religiosas, mas sem imposição ou exclusão de qualquer outra. Querem acrescentar espiritualidade aos trabalhos? Então, no início de uma sessão poder-se-ia ler um versículo da Bíblia, de outra, um trecho do Bhagavad Gita, uma outra sessão seria aberta com a leitura de um trecho do Alcorão, ou do Novo Testamento...

Para iniciar os trabalhos poderia, sim, ser proferida a frase "sob a proteção de Deus", mas na semana seguinte seria dito "sob a proteção dos Orixás", ou ainda "sob a proteção de Buda", ser entoado o Hare Krishna e por aí afora. Tudo sempre tendo em mente a propagação do bem e sem permitir que nenhuma parcela da população seja vista como excluída. Tudo isso parece muito complicado? O mais sensato então é optar pela neutralidade -a laicidade. Bora trabalhar, gente.

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