
O melhor conselho ele ouviu da mãe. "Estuda, meu filho, para nunca passar por aquilo que eu passo", costumava dizer Tamyres Camargo Silva a Maicon Silva Fioravanti, que completa 20 anos em 2025. Deu certo.
Natural de Pederneiras, onde cresceu e se formou, o jovem acaba de ser aprovado em dois cursos de Medicina: um na Uninove, de Bauru, com bolsa integral, e na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) - esta, por sua vez, pública. Optou pela última.
O caminho trilhado até aqui, porém, não foi fácil. A conquista pela aprovação se deve principalmente a duas sementes.
A primeira foi plantada pela mãe, que repetiu o mesmo conselho incontáveis vezes. Tamyres hoje é faxineira, mas também já cortou cana e trabalhou em abatedouro. "Ela sempre me disse que queria um futuro melhor para mim. Que não queria me ver fazendo o mesmo trabalho dela", conta Maicon.
A segunda, por sua vez, partiu da Escola Estadual Professora Dinah de Moraes Seixas, onde Maicon ingressou quando chegou à segunda etapa do ensino fundamental, no sexto ano, e de onde saiu só após se formar no terceiro ano do ensino médio.
O interesse pelos estudos começou ainda cedo. Maicon sempre demonstrou habilidade para aprender - vocação que perdura até hoje. Claro que nada vem ao acaso: a Dinah, escola situada num dos bairros mais carentes de Pederneiras, o Cidade Nova, sempre incentivou seus estudantes a buscar ares maiores.
No sétimo ano, por exemplo, Maicon já se mostrava promissor ao se destacar num projeto de fomento à leitura na disciplina de língua portuguesa. Vencia aquele que mais livros devorasse. O pódio era inevitavelmente ocupado pelo então adolescente.
"Sempre gostei muito de literatura. Principalmente os livros de fantasia, que são meus favoritos. Harry Potter, por exemplo. Hoje estou lendo as Crônicas de Gelo e Fogo. Mas eu também gosto muito da literatura brasileira, principalmente da Clarice Lispector", conta.
Professora de língua portuguesa e literatura, Gelsina de Freitas Solana é testemunha ocular do esforço do jovem. Era ela quem aplicava, afinal, o projeto das metas de leitura. "eles ganhavam algum incentivo, como doces, por exemplo. Era um agrado que visava incentivar a presença da literatura em suas vidas", conta.
Maicon cresceu e viu as responsabilidades aumentarem. Entrou no ensino médio e percebeu que precisaria começar a trabalhar para ajudar nas despesas de casa. "Foi um choque, um baque", lembrou durante entrevista ao JC.
Tornou-se auxiliar de laboratório numa indústria de Pederneiras no período da tarde. No terceiro e último ano escolar, porém, passou a trabalhar em dois períodos, de manhã e à tarde, o que o forçou a estudar à noite.
O trabalho, imaginou Maicon no início, atrapalharia sua rotina escolar. Mas a labuta não impediu que o jovem continuasse a ser motivo de orgulho à família, à escola e a Pederneiras. Estudioso, ele emplacou nada menos que duas menções honrosas, uma em 2019 e outra em 2021, na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP).
Ele deixou o ensino médio em 2022. Ciente dos desafios em torno da aprovação do curso de medicina - historicamente elitizado -, pagou um curso online e estudou da própria casa durante o ano inteiro. Essa rotina permaneceria em 2024, mas com uma diferença: precisaria novamente trabalhar.
Quem deu a oportunidade foi a Concilig, empresa de Bauru que mantém filial em Pederneiras. Foi um período "complicadíssimo", ele próprio admite.
"Em 2023 eu estudava praticamente o dia todo. E em 2024 eu já não tinha esse tempo. Trabalhava das 14h às 20h. Acordava bem cedinho, às 5h, somente para estudar. Preferia estudar de manhã do que à noite, depois que eu chegasse", explica. E assim o fez durante o ano todo. A luta valeu a pena, dadas as duas aprovações em Medicina. Resta agora fazer as malas para São José do Rio Preto.
Maicon ainda considera prematuro dizer qual área quer seguir. Tem, porém, uma certeza. "Quero ajudar um bairro carente, talvez fazer uma análise da saúde pública de um local assim para ver se, através disso, busquemos soluções, melhorias", antecipa.
Resta à escola comemorar. Diretora da instituição de ensino, Cláudia Elisa Carci Besse diz que o resultado advém de um ensino que busca motivar jovens e adultos de acordo com suas necessidades. Ela destaca ainda a qualificação e o empenho da equipe na formação integral dos alunos, que começa no ensino fundamental e se intensifica nos últimos anos do ensino médio.
Situada em região carente, a Dinah existe há 30 anos. Enfrentou dificuldades - e não foram poucas. Sofreu muito com furtos numa época em que o muro era constantemente pulado, ou mesmo quebrado, por ladrões que miravam fios para revender. Hoje a situação tem melhorado. Não apenas por mais recursos financeiros: isso vem também de uma dedicação quase que ininterrupta da equipe da Dinah. É um trabalho que rendeu também outros frutos: há ex-alunos que se destacam Brasil afora.
Segundo a professora Gelsina, um deles está na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a USP, e pretende se tornar embaixador. Um segundo chegou a estudar engenharia na França. Outro, enquanto isso, é doutorando em matemática na Unesp de Bauru. E por aí vai.
São jovens que contornam as barreiras impostas pela desigualdade - um caminho muito mais difícil se comparado ao que trilham os que sempre tiveram oportunidades.
Isso se deve à educação, que tem papel fundamental na educação intelectual e cidadã das pessoas. Que o diga o jovem Maicon, que vê, entre muitos outros, dois papéis fundamentais no setor. "Transformar as nossas vidas de estudantes e também não deixar que os estudantes tenham uma mente obtusa", define.