OPINIÃO

Um louco na presidência

Por Corrêa Neves Jr. | É Editor do GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 5 min

Donald Trump está no comando. Aos 78 anos, é chefe de Estado e de Governo da maior potência econômica e militar do mundo. Prometeu que faria uma série de sandices e maluquices caso vencesse a disputa e chegasse à presidência dos Estados Unidos. Muito duvidaram. Apostavam que era apenas retórica de campanha e prevaleceria algum mínimo bom senso. Erraram. Eleito e empossado, está colocando em prática tudo que prometeu. Pode-se acusá-lo de muitas coisas. De ter ludibriado o eleitor, jamais.

Horas depois de ter assumido a presidência, começou a assinar uma série de "executive orders", a versão americana da nossa medida provisória, instrumento que garante ao presidente, sob certas circunstâncias e limites, poder para legislar. Era ainda o primeiro dia de mandato, mas ele não economizou nas tintas.

Decretou "estado de emergência na fronteira sul", ou traduzindo em miúdos, na divisa com o México. Classificou os imigrantes como "força hostil" que tenta invadir os Estados Unidos, como se os que rumaram para lá em busca de uma vida melhor representassem o perigo de um exército inimigo. Suprimiu o direito automático de cidadania para os nascidos nos Estados Unidos caso os pais sejam imigrantes ilegais, jogando no lixo uma garantia em vigor por meio de artigo inserido na Constituição americana há mais de 200 anos. Determinou o início da imediata deportação de imigrantes ilegais.

Tirou os Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde. Fez o mesmo com a participação americana no Acordo do Clima de Paris, que impõe aos seus signatários a obrigação de reduzir as emissões de gases de efeito estufa como alternativa para frear o aquecimento global, e que tem adesão de mais de 120 nações.

Indultou mais de 1,5 mil presos pelos ataques ao Congresso dos Estados Unidos no episódio que ficou conhecido como "6 de janeiro", centenas deles já condenados, alguns, inclusive, por atos violentos e assassinato de policiais, além de líderes supremacistas raciais e até um sujeito que tinha montado um multimilionário site que vendia drogas online e estava sentenciado a passar o resto da vida atrás das grades. Acabou com todos os programas federais, sem exceção, que promoviam a diversidade, a equidade e a inclusão no governo americano, impactando mulheres, gays, negros, latinos e, também, portadores de necessidades especiais - nem estes últimos escaparam da nova "política meritocrática" de Trump. A lista de aberrações é extensa, como resta óbvio. Nada tem a ver com ser progressista ou conservador, de direita ou esquerda. O caso é de sanidade ou loucura. E no caso de Trump, não há dúvidas de em qual categoria se enquadra. Nada há de racional, lógico ou justo na absoluta maioria de suas decisões.

Trump age movido pelo ódio, puro e simples. Pelo sentimento de vingança, sempre rasteiro. E por uma sensação de que não tem nada a perder - com quase 80 anos e bilionário, não tem mesmo. As mudanças climáticas não vão prejudicar a sua vida. Ele não poderá disputar mais uma eleição, então pouco se preocupa com os impactos de seus atos junto ao eleitorado, porque não precisa mais pedir votos a ninguém.

Insano que é, não tem compaixão ou empatia, portanto não se importa com a dor que possa provocar ao separar crianças de seus pais na "guerra santa" que lançou contra os imigrantes, nem sofre qualquer drama de consciência ao classificar todos como "bandidos", ainda que 99% deles sejam apenas desiludidos ou perseguidos que buscaram nos Estados Unidos uma vida melhor: eles recolhem impostos, são bons vizinhos, contribuem para o desenvolvimento de um sem-número de comunidades.

Trump também não demonstra o menor interesse por quem o acompanha no governo e muito menos com o futuro de cada um, reduzidos a meros instrumentos para o exercício do poder - absoluto, idealmente. Isso sim parece seduzi-lo. O poder. Nada mais. De tudo que faz Trump, há dois pontos que o presidente americano parece ignorar, por falta de conhecimento ou de interesse, e que serão decisivos para o desfecho de sua presidência.

O primeiro, são os fundamentos da democracia americana, que ele parece disposto a testar no seu limite. É claro que haverá reações populares e institucionais à sua tentativa de consolidação do poder absoluto. No desenho constitucional elaborado pelos "founding fathers", os líderes que forjaram os Estados Unidos no século XVIII, não há espaço para aventuras ditatoriais. E por mais que a Suprema Corte seja neste instante conservadora, ela não é formada por mentecaptos. Quem ocupa uma de suas cadeiras se preocupa também com o próprio legado. E com o que virá depois de Trump, já que seus magistrados conquistaram posições vitalícias e, portanto, estarão lá depois de Trump.

O segundo, o resto do mundo. Exceção feita ao baba-ovos mor, Javier Millei, presidente argentino, e mais meia dúzia de equivalentes mundo afora, não se espera que fiquem todos os chefes de nações calados, inertes, apenas assistindo Trump agir.

Trump pode muito, mas não pode tudo. Por milênios, antes dele, imperadores, reis, califas e dê-se o título que quiser a grandes líderes tentaram consolidar seus domínios de forma absoluta. A Pérsia, no seu auge, determinava os destinos de 40% da população mundial. Imperadores romanos chegaram a comandar 30% do planeta. Gengis Khan, o grande governante mongol, liderou o maior império de que se tem notícia e controlava 46% do planeta. Por maiores que fossem, por mais poderosos que tenham sido, ninguém conseguiu governar todo mundo, nem subjugar grande parte do mundo, por todo o tempo. Não será Trump que o fará. Haverá barreiras e limites, conflitos e dificuldades. Trump é louco, inconsequente e tem um arsenal nuclear. Há outros tantos como ele, nos Estados Unidos ou fora dali. Mas nem todos sofrem do mesmo grau de demência.

Além da resistência do mundo ao ímpeto de Trump, o tirano, será a própria resiliência da democracia americana que irá determinar a extensão dos danos que ele provocará e por quanto tempo isso se sustenta. Desagradável e cruel ele já é. Que seja por pouco tempo, com danos possíveis de serem revertidos, e sem consequência do tipo que se paga com sangue. Nestes tempos de tanta ignorância e incertezas, de radicalismos e falta de serenidade, é o melhor que podemos esperar. Bom, não vai ser. Pelo menos, que seja breve.

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