Uma vara, um molinete e alguns pães são o que Leandro Trevisan Gomes, 43 anos, precisa para garantir um jantar diferente — e fresco — para a família uma vez por semana. O entregador, que diz ter 20 anos de experiência com pesca, foi visto pela reportagem pescando tilápias no Rio Bauru, em plena avenida Nuno de Assis, entre a Vila Antártica e o Parque Vista Alegre, em Bauru, nesta segunda-feira (3), por volta das 15h.
Ao JCNET, ele conta que visita o local ao menos uma vez por semana. Em 1h de pesca, ele consegue encher cerca de um terço de um covo de arame (uma cesta que armazena os peixes dentro do rio para mantê-los frescos; veja foto nesta página) e volta para casa satisfeito pelo alimento e pela pequena terapia.
Diferente da sensação de tranquilidade e o silêncio da pesca em locais remotos, Leandro parece uma celebridade quando está debruçado no corrimão na avenida movimentada. Os motoristas que passam e veem a cena buzinam e gritam para o pescador urbano. Alguns, inclusive, questionam sobre a segurança de comer a carne do peixe que habita um rio, antes, poluído.
Um “fã” chegou a descer do carro para acompanhar a pescaria. Sem se identificar, ele disse que tinha o costume de nadar no rio quando era criança, mas parou por conta da poluição. A cena parece ter deixado o homem nostálgico.
O pescador urbano, porém, não se deixa abalar pelas brincadeiras com a qualidade da carne do peixe e nem pelos fãs. Habilmente e comprovando sua experiência de duas décadas, ele espeta um pedaço de pão na ponta do anzol amarrado em uma linha de pesca com uma chumbada e lança ao rio. A isca não fica 30 segundos na água antes de ser fisgada, conforme testemunhado pela reportagem e registrado em vídeo (veja nesta página).
“Todo dia é bom para pegar peixe aqui. Eu também pescava na Quinta da Bela Olinda, mas não tá batendo mais nada lá. Muita bagunça. Eu pesco mais aqui, no Rio Tietê e na prainha de Iacanga”, afirma Leandro.
Ele não é o único que tem aproveitado o Rio Bauru como fonte de alimentos. No ano passado vídeos divulgados nas redes sociais por motoristas que flagraram a pesca na Nuno de Assis viralizaram nas redes sociais.
Poluição
Desde 2018, porém, o leito do rio que atravessa a Nuno de Assis deixou de receber diretamente o esgoto captado pela rede da cidade. A partir desta intervenção, o curso d'água se regenerou e passou a ser visitado pela fauna. No entanto, ainda é possível visualizar que o descarte irregular do lixo chega e se acumula nas margens do Rio Bauru. Além disso, em 2021, o rio sofreu com três vazamentos de esgoto que alteraram a sua coloração e odor.
Em entrevista ao JC em 2019, o zootecnista e ex-diretor do Zoológico de Bauru, Luiz Pires, afirmou que ainda existiam ligações clandestinas que lançam dejetos e até mesmo produtos químicos nas águas fluviais. "Fora isso, no fundo do rio, há um lodo resultante de décadas de matéria orgânica vinda do esgoto. A concentração de coliformes fecais e metais pesados ainda é altíssima e os peixes existentes são impróprios para consumo. Ainda vai levar muitos anos para que esta realidade mude", alertou.
É permitido?
O capitão da Polícia Militar Leo Artur Marestoni, comandante da Companhia de Polícia Ambiental de Bauru, informa ao JC que a pesca no local é permitida, mas restrita. A única legislação que trata da pesca no Rio Bauru é de uma portaria de 2009 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), autarquia hoje comandada, em Brasília, pelo ex-prefeito de Bauru Rodrigo Agostinho (PSB).
As restrições são referentes ao período da Piracema, de 1 de novembro até 28 de fevereiro. Nesta época, ocorre a desova dos peixes e, por isso, a pesca precisa ser reduzida. “É permitido pescar desde que a mais de 1.500m da desembocadura do rio. É proibido a pesca de peixe nativos da bacia [o dourado e o lambari, por exemplo], a utilização de iscas vivas e qualquer tipo de pesca profissional. Também é importante respeitar o limite de 10 quilos mais um exemplar", afirma.
A tilápia é considerada um peixe exótico e invasor, segundo o Marestoni e, por isso, sua pesca é autorizada. Segundo Leandro, essa é a única espécie que ele já viu no local.
Sobre a segurança do consumo de peixes do Rio Bauru, o capitão alerta para a poluição da água. “O rio ainda recebe esgoto, então a qualidade do pescado dependeria de análises da Cetesb”, diz. “Particularmente, este que vos fala. Eu tô de boa. Não comeria um peixe pescado no Rio Bauru”, brinca o capitão.





