Em seu discurso de posse, Hugo Motta, apresenta uma interpretação ampliada do papel do Legislativo, sugerindo que a Constituição de 1988 teria reduzido o poder do presidencialismo absoluto e investido o Congresso de prerrogativas típicas de sistemas parlamentaristas. No entanto, essa leitura não se sustenta diante do texto constitucional e da prática institucional consolidada desde a promulgação da Carta Magna.
Primeiramente, a Constituição manteve o presidencialismo e não criou um modelo semiparlamentarista. Prova disso é o plebiscito de 1993, no qual a população rejeitou o parlamentarismo e reafirmou o presidencialismo como sistema de governo. Além disso, diferentemente dos parlamentos parlamentaristas, o Congresso não pode destituir o governo com um simples voto de desconfiança, sendo o impeachment um mecanismo excepcional e baseado em crimes de responsabilidade.
Em segundo lugar, a crítica ao presidencialismo de coalizão como uma distorção do sistema ignora o fato de que ele é uma consequência natural do pluripartidarismo estabelecido na Constituição. A necessidade de alianças políticas decorre da fragmentação partidária, exigindo negociação entre Executivo e Legislativo para garantir governabilidade. Longe de ser um desvio, essa dinâmica reflete a interdependência dos poderes prevista na própria Constituição.
Contudo, essa interdependência se torna problemática quando se degenera no modelo toma-lá-dá-cá, no qual o apoio parlamentar não é conquistado por meio de debates e alinhamento ideológico, mas sim pela distribuição de cargos e recursos. Esse mecanismo é acionado sempre que o governo perde a capacidade de construir uma base de apoio estável e passa a recorrer a concessões pontuais para garantir votações estratégicas.
Por fim, a ideia de que o Legislativo "recuperou suas prerrogativas" na execução orçamentária também apresenta inconsistências. Embora o Congresso tenha conquistado maior influência por meio do orçamento impositivo, a execução financeira continua sendo prerrogativa do Executivo, que pode vetar despesas e contingenciar recursos conforme necessário.
No entanto, a criação do chamado "orçamento secreto" — um esquema de distribuição de emendas sem transparência e controle adequado — demonstrou como a ampliação do poder legislativo sobre o orçamento pode ser distorcida para fins clientelistas e de barganha política. Em vez de fortalecer a democracia e a governança responsável, essa prática compromete a transparência e o controle social sobre os recursos públicos. Assim, a autonomia do Legislativo sobre o orçamento não equivale a um papel de co-governante na administração pública, mas, em certos momentos, tem sido usada para consolidar um sistema de troca de favores pouco republicano.
Portanto, a interpretação do discurso de Ulysses Guimarães como uma legitimação de um papel mais ativo do Legislativo na governança extrapola os limites constitucionais. A Constituição de 1988 fortaleceu o Congresso, mas sem romper com o presidencialismo nem estabelecer um modelo de cogestão com o Executivo.
O Legislativo é um poder fundamental e independente, mas não um co-governante em sentido estrito, como sugerido no discurso de posse. Além disso, a ampliação de suas prerrogativas sobre o orçamento deve ser acompanhada de mecanismos de transparência e controle, sob o risco de reforçar práticas clientelistas que comprometem a legitimidade da democracia representativa.
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