OPINIÃO

A política do 'grande porrete'

Por Zarcillo Barbosa | O autor é jornalista e articulista do JC
| Tempo de leitura: 3 min

No início do século passado, o então presidente dos Estados Unidos Theodor Roosevelt idealizou a política do "big stick" (grande porrete), para tratar dos interesses norte-americanos. A expressão foi baseada num provérbio africano que dizia, "fale manso e carregue um grande porrete".

Os Estados Unidos deixavam evidente que não hesitariam em usar a força para conseguir o atendimento dos seus interesses econômicos na América Latina. À época, a Colômbia começou a pôr obstáculos à pretensão norte-americana de construir um canal ligando o Atlântico ao Pacífico, pelo Istmo do Panamá. Roosevelt, não teve dúvidas em financiar a rebelião dos indígenas e mestiços do território que pertencia à Colômbia. Nasceu a República do Panamá, e os americanos puderam investir no canal, por eles explorado durante quase um século. Trump, agora, quer o canal de volta e restaurar toda a faixa limítrofe como território yankee.

Quando o presidente colombiano Gustavo Petro se negou a receber imigrantes deportados, Trump, imediatamente, passou a mão no big stick e mandou um tarifaço sobre as mercadorias importadas. Prejuízo na certa, principalmente para o café colombiano que os consumidores adoram por ser mais suave que o nosso. De nada adiantou Petro se autodenominar um Aureliano Buendía, lutando contra as injustiças. Voltou atrás, humilhado.

No ginásio tive um professor de Geografia americanófilo, que dizia ser os Estados Unidos o único país do mundo capaz de sobreviver sem os outros. Em casa, comentei com o meu pai, que me disse: "Pelo menos eles não vão tomar café". Hoje, com o avanço tecnológico, até poderiam criar um café fake, feito de milho.

Com o lançamento da DeepSeek, ferramenta de Inteligência Artificial (AI) chinesa, essa hegemonia norte-americana demonstra-se frágil nesta era tecnológica e pode redefinir a geopolítica atual. Ao criar serviço melhor gastando muito menos que as big techs americanas, a China derruba a imagem de que os EUA são o ponto central da inovação. E mostra que tecnologia pode reduzir distâncias de desenvolvimento entre nações. Existe mundo além da Amazon, Microsoft, Apple, Google. Nessa disputa, a DeepSeek vive o seu "momento Sputnik", uma referência ao satélite artificial russo que em 1957 passou a perna nos Estados Unidos na corrida espacial. O PIB dos EUA ainda é enorme - são US$ 28 trilhões, ou US$ 10 trilhões a mais que a China. Mas, nem tudo está ligado ao volume econômico de um país. Cultivando inovação, a um custo relativamente ínfimo, qualquer país pode, em tese, entrar nesse jogo.

Taiwan, uma ilha rebelde da China Continental, produz 90% dos semicondutores mais avançados usados no mundo. Bancos, computadores, celulares, cartões de crédito, geladeiras, máquinas de lavar, lâmpadas de Led, aviões, veículos, dependem dos seus chips. O aparecimento da chinesa DeepSeek, que é só uma startup no ecossistema, fez as gigantes da tecnologia perderem US$ 1 trilhão em valor de mercado. Quebrou um paradigma, que é a associação, em que se acreditava cegamente, que só com muito dinheiros se consegue atingir o conhecimento científico.

As startups são o artesanato do século XXI. Artesanato tecnológico que o Brasil pode, e deve, incentivar. Podemos provar que somos capazes de produzir além do Judiciário mais caro do mundo e juízes que vendem sentenças.

Trump acredita que a política do porrete atinge resultados rápidos. O método pode gerar vantagens oblíquas, pelo susto que prega. Lula não quer cutucar o leão. A China é o nosso maior parceiro comercial, mas a dependência tecnológica dos EUA é grande. O presidente norte-americano, estrategicamente, perderá influência na América Latina para os chineses. O risco de a porretada acertar o dedão, é real.

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