OPINIÃO

Soturna

Por Alfredo Enéias Gonçalves d'Abril, professor universitário aposentado |
| Tempo de leitura: 3 min

Em meados do século XIX as terras do centro-oeste do Estado de São Paulo eram cobiçadas por aventureiros que desciam sobre embarcações pelo Rio Tietê, a partir da região de Porto Feliz a procura de terras desocupadas para delas assenhorarem-se com a posse. Por vezes, nas terras invadidas encontravam-se moradores ali amoitados em posição de defesa preparados para resistir a eventuais ataques de índios Caingangues, surgidos da disputa de imensas áreas batalhas entre os disputantes com vencidos e vencedores. Quando, os aventureiros venciam as sangrentas contendas, construíam um vilarejo e cultivavam as terras para semear milho, receber rama de mandioca e outras plantas da agricultura, comercializando partes delas com interessados presentes junto a família para negociar, formando, aos poucos, um agrupamento de casas construídas de madeira bruta, extraída dali mesmo.

A toda evidência, as aldeias edificadas pelos posseiros eram bem rústicas, despojadas de água potável, serviço de remoção de dejetos, iluminação só com lampião a querosene. O por do sol encerrava a claridade, pois inexistia iluminação artificial e a aurora do renascer marcava o reinício das atividades braçais no lugarejo, praticamente associadas ao setor agrícola e aquelas pertinentes a construção e conservação de moradias. Provavelmente algum dos invasores deu o nome Soturna a uma ilha do Rio Tietê, bem próxima as terras invadidas. Esse nome contem modesta história desse pedaço de terra inspirando o nome Soturna ao povoado que seria Arealva a partir de 1948. Era remota a realidade de Soturna, como aldeia, se desenvolver gerando alguma expectativa de crescer nos moldes preconizados pela urbanização, saltando de insignificante lugarejo para município com prefeito eleito e vereadores, com o voto do povo. De real, Soturna não tinha fôlego para deixar de ser vilarejo, certo de que recebeu nome compatível com seu envolvimento na escuridão das noites sem luar, igualmente pelo silêncio melancólico das trevas o que criava uma atmosfera de perigo em todas as noites que a lua escondia-se nas nuvens carregadas de água. E chovia... No momento que a lei formal arrebatou a força física humana, Soturna foi declarada distrito de paz desde 1911. Logrou tornar-se município após 24/12/2048, ganhando o nome Arealva.

É certo que Arealva não alcança um status que a compare com uma cidade pujante, contudo, foi bem administrada pelos prefeitos que teve. Possui toda estrutura necessária para a entrega de mínimos serviços que lhe cumpre oferecer como município provedor das necessidades sociais primárias de sua população; é próxima de cidades maiores acessíveis por rodovias bem conservadas que têm condições de atender o que falta em Arealva. Quando era distrito, conhecido por Soturna, porém bem próxima do ano em que recebeu o título político de município, seu Administrador, nascido e criado no próprio lugarejo, mostrava ser um agricultor de respeito, embora iletrado. Conseguiu apenas diplomar-se no curso fundamental, circunstância que muitas vezes lhe colocava em desconforto como pessoa de convivência pública. Havendo alguma solenidade local participativa de Soturna com relativa importância para a cidade, o Administrador tinha o dever de discursar, mas faltando-lhe prática ou mesmo articulação com as palavras, servia-se dos préstimos de um bom amigo de instrução maior, o qual oferecia para redigir os arrazoados. Unidos por estreitos laços de amizade, o amigo eliminava a questão do constrangimento, elaborava o discurso e o Administrador vagarosamente fazia a leitura com extremo cuidado receoso de tropeçar em letras desconhecidas.

Em certa ocasião, uma Autoridade da Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo visitou Soturna, sendo homenageada com um jantar. O Administrador recepcionista pediu ao amigo, como sempre o fazia para escrever o discurso e também o lesse no encerramento do ágape, justificando esse pedido extra, a leitura do texto, na instabilidade de seu estado de saúde. No momento exato do início da leitura o amigo do Administrador levantou-se da cadeira, leu todo o texto, concluindo com o clássico -tenho dito- e sentou-se novamente em meio à calorosos aplausos. Naquele instante, o Administrador de Soturna levantou-se, mostrou-se comovido pela ovação e sentindo-se como celebridade, agradeceu várias vezes os aplausos recebidos pelo amigo com seguidos - muito obrigado.

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