OPINIÃO

Ipê

Por Alfredo Enéias Gonçalves d'Abril | Professor universitário aposentado
| Tempo de leitura: 4 min

Pelo whatsapp recebido de Luis Pegoraro, por quem cultivo uma amizade cristalizada em muitos passar de anos, iniciada no final da década de 60 quando exercemos em cidades desta região o cargo de delegado de polícia, seguido do cargo de promotor de justiça e, fundado no mesmo liame de estima, tornamo-nos companheiros de memoráveis pescarias, em especial no caudaloso Rio Paraguai. Juntamos a outros apaixonados por pescarias, organizamos uma sociedade simples, adquirimos um terreno com frente para o Rio Paraguai e construímos um confortável rancho de alvenaria atrelado por passarela à casa do caseiro.

Nesse acolhedor recanto, todos os sócios do rancho revezavam-se segundo um calendário organizado por um deles, cumprindo um mandato temporal para administrar o imóvel.

Os Ipês flagrados em diversos lugares do Brasil e encaminhados por whatsapp, exibem a copa das árvores todas floridas, espalhadas pela natureza no Pantanal-sul com suas ricas e variadas flores, impressionando os que tiveram o privilégio de vê-las vivas e saudáveis, e assim como eu e demais companheiros de pesca, admirávamos esse prêmio que a natureza sem barganha concedeu ao homem, porém ao invés de preservá-la, vem agindo com ingratidão no sentido inverso, há muitos anos, operando criminosamente para sua destruição.

Não consegui descrever neste texto a exata forma da singular exuberância das flores do Ipê, mostrada nas fotos, quando no apogeu de suas floradas, a não ser que deixasse para trás alguma de suas peculiaridades à falta de maior rigor de observação.

Além da incapacidade do articulista colocar em palavras a atração que o Ipê exerce sobre a visão humana, mesmo que conseguisse vencer a inaptidão me tornando igual aqueles que dominam a arte de mostrar pela articulação de palavras o objeto em destaque, não ousaria aproximar-me da perfeição, o que é possível somente pela arte dos consagrados escritores.

As quatro estações do ano, demarcadas nos calendários desde remotos tempos, de alguns anos a esta data, deixaram de corresponder o que o homem resolveu através do estudo cientifico do tempo e, impôs sua vontade com fulcro no conhecimento. O resultado colhido dessa alteração é bisado todos os anos, com o mês de outono deixando de preparar o mundo para a entrada do inverno, baixando levemente a temperatura, máxime ao cair da noite até a manhã seguinte quando a temperatura volta a se elevar para ditar as novas regras.

E, assim, a desordem do tempo determinando o curso das ações está gerando uma grande e perigosa transformação no mundo como a estiagem prolongada, inundações fatídicas e outras modificações refletindo diretamente como uma praga espalhada entre produtor e consumidor, afetando toda a economia.

A árvore oficial do Brasil é o pau-brasil, madeira em extinção condenada pelo corte predatório. Todavia, o povo elegeu o Ipê para simbolizar a árvore brasileira e com razão porquanto essa árvore é nativa e surge em todo lugar do país independente do clima seco ou úmido.

O Ipê nativo ou desenvolvido por meio de muda obedece uma ordem sequencial para florir. O primeiro a mostrar a exuberância é o amarelo. Cumprida sua missão de auxiliar os pássaros alimentarem-se do mel de suas flores para fecundar a espécie, no espaço de 30 dias os galhos já despojados das folhas e flores, pois as folhas caíram antes afim de abrir espaço ao nascimento das flores, somente após um ano a liturgia de cores se repete na próxima primavera. Depois do amarelo, árvores dos mais variados lugares produzem os Ipês cor de rosa, variando entre rosa, lilás e roxo. Este último desapareceu do cenário, provavelmente na década de 70 diante de um fato bastante comentado na época. Espalhou-se a notícia que a casca do Ipê roxo continha propriedade medicinal comprovada por pesquisas oficiais. Aquelas árvores sofreram inclementes ataques das pessoas mais simples, acreditando que o chá da casca do Ipê era fonte terapêutica contra o câncer.

As árvores não conseguiram sobreviver sem a proteção da casca, foi quando iniciou-se o desaparecimento da espécie. O Ipê roxo é raramente encontrado nos campos e nas matas, predominando os cor de rosa e os lilás, uma vez que o sacrifício imposto a eles por pessoas mal informadas deixou a estação primavera menos alegre, mais melancólica. Por último vem o Ipê branco, uma joia de arbusto encontrado nesta cidade como árvore de decoração em calçadas dos Altos da Cidade.

No mês de outono do ano que não me recordo, as margens do Rio Paraguai, notadamente para baixo do Morro do Conselho, expunham um festival de Ipês rosa e nas duas tonalidades que a cor rosa se apresenta. Em um barco, o piloteiro Edson, eu e meu filho Cassiano ficamos na mira da máquina fotográfica Nikon em outro barco segurada por Pegoraro, que nos fotografou tendo os Ipês como pano de fundo.

A revelação das imagens admiradas como saudação da natureza à estação das flores, constante todos os anos, mostra nos tempos atuais como a natureza mudou no decorrer do tempo. Hoje, no mesmo lugar de outrora, no lugar antes florido se observa queimada ou o que dela sobrou com sua destruidora passagem. O excesso da estiagem também muito cooperou para a morte precoce da nova geração do Ipê.

A mais florida das fotografias mostrando os Ipês cor de rosa e o barco já referido acompanhando o ritmo das águas remansosas do Rio Paraguai foi transformada em uma tela pintada pela aclamada artista desta cidade professora Sônia Ayres Gabriele e adorna a sala de minha casa, revelando como era a estação primavera no pantanal de antigamente.

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