OPINIÃO

Topa tudo por dinheiro

Por Zarcillo Barbosa |
| Tempo de leitura: 3 min

O filósofo francês Edgar Morin, do alto dos seus 101 anos de idade, batiza de "olimpianos" esses heróis da "sociedade do espetáculo" filmados e televisados. Refere-se aos deuses da mitologia grega moradores do Olimpo, uma espécie de paraíso. Para ser célebre na sociedade orientada pelo entretenimento não é preciso ter feito nenhuma descoberta que vá mudar os rumos da humanidade, escrito algum best seller ou ter achado a cura de alguma doença. Para ser célebre é preciso apenas estar na mídia, nem que seja por ser um serial killer.

Os olimpianos também são mortais, como qualquer um de nós. Só que a morte de um deles também é transformada em um grande espetáculo. O animador Sílvio Santos, no dia em que deixou este mundo, foi tema de 10 milhões de buscas no Google, não só por parte de brasileiros, mas também de curiosos de outros países. A Globo, deu mais espaço à morte de Sílvio Santos do que a própria emissora do falecido. E com isso, elevou a audiência do Fantástico e do Globo Repórter, que estavam precisando recuperar um pouco das crescentes perdas de público e receitas. Foi como se a Globo mandasse um recado: "Estão vendo! A tevê aberta é f***".

A receita do sucesso televisivo é simples. Os jogos não podem faltar em qualquer programa de auditório. São a forma de entretenimento mais popular do mundo. Quem quer dinheiro? Bordão dos mais conhecidos e problematizados de Sílvio Santos, enquanto circulava no auditório atirando à plateia aviõezinhos confeccionados com cédulas de dinheiro. A frase era usada durante o quadro "Topa tudo por dinheiro", onde anônimos se arriscavam a realizar desafios e troca de prêmios, enquanto os aviões voavam e suas "colegas de trabalho" se esforçavam para alcançá-los.

O poeta Horácio, ao mesmo tempo lírico e satírico, versou que "a morte tudo absolve" (mors omnia solvit). Sílvio Santos jogou o jogo de acordo com as regras da sua época, morreu e está perdoado. Aderiu a todos os governantes e nunca escondeu. "Eu dei ordens aos jornalistas da minha empresa para nunca criticar e só elogiar o governo". O filme sobre a sua vida, "O Rei da TV", tem data marcada para estrear, 12 de setembro, com Rodrigo Faro no papel principal. É preciso ser rápido para traduzir em dinheiro o instante de comoção. Certamente a produção vai contar que, no Brasil, os canais de rádio e tevê são concessões do governo, desde Getúlio Vargas. O governo dá e tira. Foi assim que o nosso herói conseguiu a primeira emissora, TVS Rio, com o presidente Ernesto Geisel, em 1975. Outro presidente da ditadura militar, João Baptista Figueiredo, em 1981 compareceu com o filé mignon, oferecendo a antiga TV Tupi e mais quatro canais. À base de muitas articulações políticas e bajulação nasceu o SBT. Um quadro infame com nítido caráter promocional marcou época nesse período, "A Semana do Presidente".

Em 2010, Sílvio Santos teve que se valer de Lula, presidente, porque o Banco Panamericano, de sua propriedade, quebrou por gestão fraudulenta. A conta ficou para a Caixa e o animador saiu dessa história com seu patrimônio intacto.

A morte do comunicador pode marcar o fim de uma época. São cada vez mais raras as famílias que se reúnem diante o aparelho para assistir a programas populares, novelas, notícias e eventos esportivos. Com o avanço da tecnologia e o surgimento das redes sociais, esse cenário começa a mudar. Cada vez mais compartilhamos momentos, conversamos com amigos, temos novos ídolos agora chamados de influencers e, consumimos conteúdo. As pessoas passaram a buscar cada vez mais conteúdos personalizados, alinhados com seus interesses e disponíveis a qualquer tempo. A Geração Z prefere assistir aos vídeos de seus youtubers favoritos. As emissoras agora investem em interatividade, promovem discussões sobre seus programas, mas a decadência é inevitável. Agora é com você, Lombardi!

O autor é jornalista e articulista.

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