BAURU - 128 ANOS

Elias Batista, um relojoeiro com mais de 50 anos de profissão

Por André Fleury Moraes | da Redação
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André Fleury Moraes
Elias Batista após entrevista ao JC em sua oficina, uma antessala  de seu estabelecimento no Centro da cidade
Elias Batista após entrevista ao JC em sua oficina, uma antessala de seu estabelecimento no Centro da cidade

Elias Batista ainda era criança quando começou a observar trabalhadores mexendo com joias numa pequena fábrica na esquina entre as ruas Quintino Bocaiúva e Aviador Gomes Ribeiro. Estudava na época no grupo escolar Rodrigues de Abreu - de onde saía todos os dias para levar marmita a sua irmã, que trabalhava naquela região, na época.

Tinha 13 anos quando foi visto por um dos proprietários da tal oficina. Convidado a aprender a manuseá-las naquele mesmo local, foi taxativo: "se for para fazer este serviço eu já sei", garantiu o jovem ao autor do convite. Deu certo já na primeira vez. Com "seu Elias" foi assim: aprendeu a trabalhar "no olho".

Elias fez daquela conversa uma vida. Nunca mais saiu do ramo. Hoje aos 76 anos ainda mantém seu estabelecimento nas imediações do Calçadão da Batista de Carvalho, onde passa o dia em sua sala repleta de máquinas e ferramentas.

Ele nasceu em Guarantã, mas chegou a Bauru aos sete anos. Se destacou pouco depois de ingressar na oficina de joias. Aos 14 anos já fabricava fios de ouro para incrementar as correntes, por exemplo, e entregava para as 22 mulheres que davam o retoque final. Dali saíam para serem enviadas a Belo Horizonte, em Minas Gerais, e outras cidades brasileiras.

A localização da fábrica era privilegiada. Segundo Elias, na região entre a Virgílio Malta e Aviador Gomes Ribeiro estavam as casas de funcionários da rede ferroviária. "[As ruas] Eram todas asfaltadas. Era praticamente o 'Estoril' de hoje", explica.

Apesar de mais difíceis, como ele mesmo admite, as coisas naquela época "eram todas mais práticas", lembra Elias. "Tinha pouco carro, ônibus somente aquelas jardineiras", relata.

Daquela fábrica o jovem Batista saiu para aprender a consertar relógios "na baixada do Silvinho", na Vila Alves Seabra, região próxima à Vila Falcão. O estabelecimento pertencia a um imigrante japonês, o grande professor de Elias.

"Ele me ensinou não só a consertar relógio ou joias, mas também a mexer com ouro, com produtos químicos. Era de fato muito inteligente", relembra.

Elias deixou a relojoaria para trabalhar com um colega joalheiro que até hoje atua no ramo na Vila Falcão. Ficou cerca de seis anos no local até decidir abrir uma loja para chamar de sua, também na Falcão, de onde não saiu nem mesmo por um assalto a mão armada.

Os detalhes daquele acontecimento até hoje estão guardados em sua memória. Era 1981. "Os caras chegaram e anunciaram o assalto. Eu não reagi, embora tivesse um revólver na gaveta. Um deles tentou puxar a porta e apertou o gatilho. Foi no susto", conta. A ocorrência lhe custou um rim - desde então seu corpo só trabalha com um dos dois órgãos.

Dois dos autores do crime acabaram presos. Um outro foi apreendido porque era menor de idade. A investigação partiu do então delegado Marcos de Paula Rafael, que fez história em Bauru. "Tinha um amigo vereador, Ademir Costa, que também fez questão de acompanhar a resolução do crime", ressalta.

Dois dos criminosos acabaram morrendo tempos depois numa rebelião ocorrida no presídio de Araraquara, pontua.

O ponto do estabelecimento de Elias na Vila Falcão era um verdadeiro tesouro. "Ali tinha a padaria União que ficava até as 22h. O movimento era grande. Eu mesmo tinha três departamentos financeiros na mesma loja", conta.

Havia também os estudantes para quem "seu Elias" vendia joias. Algumas quadras depois do comércio, afinal, estava e está a Instituição Toledo de Ensino (ITE). "Todo dia passavam ali", explica.

Num único dia, por exemplo, um freguês entrou no estabelecimento à meia-noite. Até seria motivo para reclamar não fosse uma única declaração do cliente: "vou passar no cartão". "Quem tinha cartão naquela época tinha dinheiro", relata Elias.

Dito e feito. O rapaz separou correntes, medalhas e mandou embalar. Gastou pelo menos R$ 18 mil. Foi a melhor venda de Batista até os dias de hoje.

A clientela do relojoeiro sempre foi diversificada. "Eu atendia e ainda atendo professores universitários, procuradores do Estado, juízes de direito. Mas também pessoas mais simples, que muitas vezes precisam de um conserto ou algo do tipo", pondera.

Elias só deixou o ponto por causa da grande enchente que atingiu a Vila Falcão e arredores no final da década de 1990. O estrago foi enorme - e nem atingiu necessariamente sua loja. "Tinha esgoto a céu aberto, um cheiro muito ruim. Os clientes se sentiam incomodados", conta.

Mudou-se para um imóvel na rua Rio Branco, mas desde então já "namorava" o ponto atual, na Virgílio. Quando conseguiu negociá-lo adiantou quatro meses de aluguel. Está no mesmo local desde então - com a diferença de que hoje formou família. Além da esposa são três filhos e cinco netos, alguns dos quais atuam na oficina de Elias.

A trajetória bem-sucedida, é claro, exigiu renúncias. "É muito trabalho. Almoçava e jantava na loja. Eu saía cedo e voltava só 23h", conta. "Mas valeu a pena".

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